Capítulo 19

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A Polícia Rodoviária verificou a lista de acidentes na estrada desde o dia vinte e três de dezembro. Pa não se perdoava a falha de não ter perguntado a marca do carro de Zee Pruk. Felizmente, os nomes Chawarin e Zee não constavam de nenhum boletim de ocorrência. Pa era otimista e acreditava sinceramente que seu filho e o cliente estavam  abrigados na propriedade, sãos e salvos.

Estavam simplesmente bloqueados pela neve, e sabiam que não poderiam sair antes da liberação das estradas. Ele se recusava a pensar  em outra possibilidade.

Finalmente, o Departamento de Estradas de Rodagem informou que, mesmo com toda a equipe trabalhando a noite inteira, não teriam condições de chegar às estradas isoladas até a manhã seguinte. Era estritamente uma questão de prioridade.

Pa estava diante de duas escolhas. Poderia pernoitar no posto da Polícia Rodoviária e acompanhar a primeira equipe de remoção da neve na manhã seguinte ou
seguir adiante em seu snowmobile.

Foi uma das decisões mais fáceis de toda sua vida. Pegou um galão de gasolina da van e colocou-o em um compartimento sob o banco do snowmobile. Um policial tentou
demovê-lo da idéia, mas, por fim, acabou convencido de que se seu próprio filho estivesse desaparecido, ele teria feito à mesma coisa.

Pa vestiu as roupas apropriadas para sair com o snowmobile, colocou óculos protetores e luvas grossas de couro. Despediu-se dos policiais e partiu em busca do  filho.

A visibilidade era boa, mas o rendimento do veículo era menor do que o normal. O  snowmobile atingia o desempenho máximo sobre a neve fresca ou sobre camadas finas de gelo. Naquele dia, o sol provocara um degelo parcial e, como resultado, a neve estava úmida e grossa.

Ele não desanimava nem se desviava do objetivo principal. Dizia a si mesmo que não estava longe da propriedade, afinal, faltavam menos de trinta quilômetros para chegar lá!
Ele balançou a cabeça e riu da ironia do destino. Seu filho não pudera vir passar o Natal em casa. Tee estava do outro lado do mundo, precisamente em Camp Page, na Coréia do Sul, onde pilotava os aviões na região da fronteira com a imprevisível Coréia do Norte.

Até aquela manhã, Pa estivera preocupado com os perigos que o filho enfrentava em plena época de Natal, tão longe da família e de seu país. E, no entanto, era Nunew, que morava em uma cidade pequena, uma cidade conhecida por sua segurança e tranqüilidade, quem estava desaparecido!

Pa fez uma prece pelos dois filhos e continuou sua viagem com renovada determinação.

Sentado no sofá perto da lareira, Nunew bebia o café que Zee acabara de lhe servir.
Depois da sauna e da tarde de amor, sentia-se deliciosamente relaxado e sonolento. E muito feliz! Nunca estivera tão isolado do mundo antes, e, no entanto, aquele isolamento tinha suas vantagens.

Até então, não percebera a extensão do seu esgotamento físico e mental. O estresse da vida na cidade e a constante competitividade no mundo dos negócios tinham-no deixado nervoso e irritado. Agora, sentia-se em paz com ele mesma. Sim, ele estava feliz. Colocou a xícara de lado e bocejou.

Zee recolheu as xícaras e, quando voltou da cozinha, Nunew já se encontrava adormecido.
Fitou-o por alguns momentos, e uma ponta de tristeza tocou seu coração.

Aproximou-se da janela. O idílio deles logo chegaria ao fim. Não nevara o dia inteiro, e  certamente, na manhã seguinte às estradas estariam desbloqueadas. Eles deixariam o paraíso e voltariam à civilização.

Seus olhos deslizaram possessivamente pela paisagem, logo tudo aquilo seria
dele. Independente do preço estipulado decidira que compraria a propriedade. Se a  proprietária não aceitasse sua proposta de cento e trezentos e cinquenta mil dólares, ele desembolsaria até quinhentos mil sem arrependimentos.

Descobrira ali paz e serenidade que garantiam a qualidade de vida do lugar.
Amava seu trabalho, mas situações de risco como as que ele constantemente enfrentava
exigiam muito de qualquer homem, e ele merecia um lugar tranquilo para descansar.
Depois de cada resgate, incêndio ou qualquer outra missão perigosa, ele se sentia totalmente extenuado. Aquela casa e aquelas terras renovariam sua vitalidade e, ali, recobraria a força e o vigor.

Contudo, a sensação de tristeza persistia. Acabara de encontrar a casa dos seus sonhos e, no entanto, não estava dançando uma música irlandesa para comemorar. Por
quê?

A resposta era simples. Seu coração estava apertado porque, até aquele momento, tudo era perfeito, mas assim que Nunew fosse embora e retomasse sua vida do ponto em que deixara, haveria um vazio irrecuperável na existência dele. O futuro vislumbrava-se sombrio sem Nunew Chawarin.

Não queria que a convivência deles acabasse quando as estradas fossem desbloqueadas. Não queria perdê-lo, mas ele estava praticamente noivo de outro homem.

Afastou-se da janela.
Seu rosto suavizou-se ao ver Nunew deitado, encolhida no sofá, diante do fogo, adormecido e com expressão sonhadora. Enterneceu-se com aquela imagem tão diferente do homem arrogante e independente que colocava o trabalho e a carreira como prioridade de vida.

— Adoro este lugar... Mas sem você tudo perderá o encanto. Fique comigo, Nhu— ele murmurou com voz emocionada.

Aquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora