Capítulo 02

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Azlynn

Eu cheguei na manhã seguinte no hospital, os meus pensamentos estavam um turbilhão. A primeira pessoa que encontrei na sala de espera foi o irmão mais novo do Hátila.
O nó em meu estômago ficava maior a cada segundo que me aproximava dele. Beanard tinha 17 anos e naquele momento carregava um peso difícil de suportar. Ele nem precisou levantar o olhar para sentir minha presença, eu me sentei ao seu lado e segurei na sua mão.

― Obrigado por vir, Lynn. ― Murmurou.

― E a sua mãe, como ela está?

― Conversando com os médicos. Eles não conseguem esclarecer como o meu irmão sobreviveu a uma queda de quase 40 metros de altura.

Engoli em seco, lutando contra aquele nó que castigava meu estômago. Não poderia vomitar na frente do garoto, precisava ser forte e não demonstrar o quanto aquela história era sobrenatural.
A voz da minha avó continua ecoando em meus pensamentos. Ela fez o ritual de invocação e não recebeu informações boas dos mortos.

― Um demônio foi libertado. ― Ela anunciou, enquanto eu procurava a chave do meu carro. ― Hátila não vive mais nesse mundo.

O meu amigo estava morto, não foi uma ilusão da minha cabeça.
E tudo indica que um demônio estava possuindo o seu corpo.

― Hátila chegou delirando no hospital, lutando contra médicos e as enfermeiras. ― Bean contou num tom choroso. ― A sua força era anormal, Lynn.

― Você conseguiu conversar com ele?

Bean me encarou com seus olhos azulados, idênticos aos do irmão.

― Não, ele só falava de um espírito dourado e que precisava vingar a sua morte.

Espírito dourado…
Pela mãe Lua, aquilo fazia muito sentido. A mariposa que me visitou emanava uma luz dourada, pura e lindíssima.

― Ele está sedado? ― Perguntei, me levantando e passei as mãos no rosto para afugentar as lágrimas.

― Ficará sedado até se recuperar totalmente. O corpo dele… ― Bean parou de falar, submergindo em pensamento.

― Beanard, está tudo bem. Pode confiar em mim.

― Lynn, era um corpo que não suportaria caminhar por quilômetros. Ele estava muito magro, era só pele e osso e também… Azlynn, os machucados tinham larvas.

Eu não aguentei, despejando tudo que tinha no estômago no chão do hospital. 
Eram muitas informações!

― Vou chamar ajuda e pegar um copo com água… ― Beanard levantou-se, correndo até a recepção.

Segurei o meu amuleto de proteção e sussurrei um encantamento para me equilibrar minhas emoções:

― Mutare ex dolore ad amorem.

O meu organismo começou a reagir no mesmo instante que uma gritaria se alastrou pelo hospital.

― Segurem ele… ― Alguém berrou desesperado. ― Não soltem!

― Precisamos de mais sedativos!

― Ele é muito forte, será necessário a equipe inteira.

Eu congelei ao perceber que aquela gritaria estava chegando até a sala de espera. Beanard parou ao meu lado e derrubou o copo com água. O seu semblante ficou completamente pálido.

― Azlynn, é o meu irmão!

Hátila rompeu no corredor como um trovão, arrastando com ele vários enfermeiros.
Eram homens e mulheres tentando segurá-lo.
Ele parou de lutar ao perceber a minha presença. Um sorriso diabólico surgiu em seus lábios e meu coração quase parou de bater. Não era o meu Hátila, a sua aparência poderia enganar os mundanos, mas o cheiro de uma magia antiga e que nunca havia sentido me fez querer voltar correndo para casa.
O homem se desvencilhou dos enfermeiros, ele caminhou com certa dificuldade na nossa direção, sua perna direita estava enfaixada.
Ele parou na minha frente e poucos centímetros separavam os nossos corpos.

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