Capítulo 12

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Beanard

As ruas da cidade ficavam sombrias quando o sol começava a se pôr, mas curtia a escuridão da noite e sempre gostei das estrelas. O meu pai costumava dizer que as estrelas que mais brilham no céu noturno, são as mais distantes da terra. E existem amores que são como as estrelas. Eu nunca fiz questão de entender as suas metáforas, às vezes, colocava os fones de ouvido só para não ficar ouvindo as suas comparações. E naquele momento faria qualquer coisa para ouvir o som da sua voz outra vez ou uma simples metáfora "idiota". O mais difícil de perder alguém que amamos era esquecer os pequenos detalhes, as características únicas que somente aquela pessoa tinha. O cheiro de cigarro na sala, a risada alta e sua mania de ler livros mitológicos na hora do jantar. O dia que percebi que estava esquecendo o som da voz do meu pai foi muito doloroso, e não passarei pela mesma dor.
O clima ameno tornou a minha caminhada até a floresta mais tranquila. Eu não queria pensar na morte da criança ou no assassino doentio que poderia estar escondido em algum lugar desta cidade. O meu propósito era invocar o espírito do Hátila com um ritual, o Grimório Gardner poderia me ajudar. A entrada para as trilhas estava interditada, e havia um movimento estranho perto do lago. Eu decidi seguir por outro caminho, tinha um pequeno atalho perto da rua que dava acesso ao parque. O atalho "secreto" levava até uma gruta onde os jovens da cidade faziam festas e usavam o local como motel.
Eu tirei a minha mochila das costas e peguei o Grimório, esperando os seus sussurros assustadores.

- Podem falar comigo? - Perguntei, admirando o símbolo da Lua Tripla.

O silêncio continuou, não houve nenhuma resposta das criaturas sinistras.
Respirei profundamente e continuei meu trajeto. Não encontrei muitas pessoas no caminho. Era comum a rua ficar muito movimentada, especificamente no verão. A morte da criança afastou os moradores locais e também os turistas. Walker era uma cidade pequena e muito conhecida por abrigar uma das reservas naturais da Escócia. Não era comum acontecer tragédias devastadoras num lugar tranquilo. O desaparecimento de Hátila já causou um alvoroço e a morte da criança estava causando pânico nos moradores da região.
Cheguei no atalho.
Olhei para os lados para me certificar que não estava sendo seguido. Abracei o grimório e segui adiante. Eu tive uma leve impressão de ouvir um assobio no meio das árvores, mas era melhor ignorar. A gruta, conhecida por alegrar a vida tediosa dos adolescentes que moram em Walker, estava completamente vazia. Não tinha casais transando ou jovens chapados, um pouco incomum para as férias de verão.
Entrei na gruta, acendendo as lanternas penduradas nas rochas e me sentei num banco improvisado.

- Estamos em segurança, preciso de um feitiço de invocação. - Pedi, abrindo o Grimório. Eu não conseguia identificar os símbolos e também alguns encantamentos escritos em um língua desconhecida para mim. - Não vou conseguir sozinho, por favor.

"Volte para casa", o grimório sussurrou. "É perigoso, eles estão chegando".

- Quero salvar o meu irmão. O espírito do Hátila pode estar querendo voltar, preciso falar com ele...

"Eles trazem a morte".

"Eles trazem o fogo".

"Volte para casa".

Era difícil identificar as vozes quando elas falavam ao mesmo tempo, eram como linhas se costurando umas nas outras.

- Eu não vou embora, quero o meu irmão de volta.

"O seu irmão vive, ele espera por você", as vozes continuam se misturando.

- Não, o meu irmão está perdido...

- Um adolescente conversando com um livro. - Uma voz assombrosa me fez congelar. - Que amizade intrigante.

Fechei o grimório lentamente e levantei meu olhar. Havia um homem parado na entrada da gruta. Ele usava uma túnica preta e um solidéu no topo da cabeça, com certeza era um membro da igreja. Eu poderia ficar aliviado, mas o cinto ao redor da sua cintura com duas armas de fogo e várias adagas disparou um sinal de alerta no meu corpo. Fiquei em pé imediatamente e guardei o grimório na minha mochila. O desconhecido estudou meus movimentos e exibiu um sorriso que fez meus ossos tremer.

VANITAS - Memento mori Onde histórias criam vida. Descubra agora