1 - Beco sem saída

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Ela nunca havia pensado muito sobre a morte, costumava acreditar que dar liberdade para um assunto como esse era pedir para que ele participasse de sua vida, e ao que se lembrava, nunca fora das mais sortudas que existira. Era final de setembro, os dias pareciam passar mais rápidos que o comum e dada a situação na qual se encontrava, isso era bom, naquele final de tarde o sol se escondia atrás de nuvens carregadas, assim como ela desejava se esconder quando tomou a decisão de virar naquele beco.

Quatro latas de lixo estavam encostadas a parede que o beco terminava, atrás dela se ouvia gritos e assobios, não havia saída. Por alguns instantes a garota se virou, olhando por cima do ombro para os nove meninos que acabavam de virar para dentro daquela pequena rua sem saída. Seu corpo agiu rápido, pulou para cima das latas na esperança de conseguir pular aquela parede, mas não havia firmeza nas latas. Seu pé escorregou tão rápido que não foi possível conter a quebra, uma fresta de ferro da lata de lixo rasgou a carne de seu braço até quase a altura do cotovelo. A dor ardida fez seus olhos se encher de lágrimas, por instantes as coisas pareciam ter se perdido.

Como ela mesma costumava dizer: não tinha sorte alguma.

Um dos mais altos se aproximou, as roupas largas e o cabelo horrivelmente tingido de vermelho a fazia perceber com que tipo de gente estava lidando, no entanto, desde que tinha entrado para aquela vida se obrigava a não julgar os motivos de ninguém. Sentia seu roubo frio contra seu peito, mas por sua fuga eles jamais aceitariam apenas o item de volta. As gotas de sangue começaram a pingar no chão, o corte extenso e dolorido brilhava exibindo o carmesim de seu sangue.

- Uma pena que a primeira coisa a te machucar tenha sido essa lata de lixo. - o que estava mais perto quebrou aquele silêncio.

Todos aqueles garotos pareciam ser mais velhos, tão altos que quem a observava da entrada não conseguia vê-la - mas já sabia que se tratava de uma garota. Ele estava em pé ali há alguns segundos, um lacinho de cabelo entre os dentes indicava que estava pronto para se meter em qualquer briga que surgisse a sua frente, seus olhos de cor bronze se fixaram no ponto que devia estar atrás de todos aqueles garotos. Ele também era mais novo, mas desde que se conhecia por gente bater em mulher era um pecado imperdoável.

Os rapazes ainda não haviam notado a presença dele ali, estavam focados nela, na garota de cabelos pretos e olhos azulados. Embora seu sangue tivesse uma cor viva, seu semblante não passa a mesma sensação, encarar seus olhos era, acima do encontro com a beleza, ver o vazio, aquela janela de alma que não parecia expressar nada além de dor e vazio.

Um dos rapazes partiu para cima de seu corpo, derrubando-a sobre o chão úmido, o cheiro de lixo orgânico fez seu estômago revirar, todavia, tudo piorou quando outro dos rapazes a chutou sobre a barriga; com o braço saudável ela protegeu o rosto, mas outros golpes não vieram, não tinha planejado fugir dali sem ser correndo, dar naquele beco fora péssimo para sua fuga. Apesar de não querer, a menina lutou contra a vontade de olhar por cima do braço, e lá ela encontrou um décimo garoto: cabelos negros como os dela, amarrados num rabo de cavalo, socando os outros meninos como se fossem bonecos de pano. Ele era alto, forte, e apesar de lutar contra seus inimigos parecia assustador daquela forma, com punhos cerrados, batendo, chutando, os dentes trincados exibindo caninos avantajados e o olhar de fúria.

Ele parecia disposto a dar a vida ali se fosse necessário, dar a própria vida para evitar que perdesse a sua. De alguma forma isso significava algo, um ato no qual ninguém jamais tivera coragem de fazer para ela. E em pouco tempo não havia nenhum dos nove, apenas o grande rapaz em pé, com os punhos fechados e sujos de sangue, ele puxou lentamente o lacinho do cabelo e estendeu a mão livre em sua direção.

A morena quis aceitar, mas uma onda de calor forte tomou seu rosto e ela não pode evitar vomitar, o chute a tinha machucado de alguma forma. Seu braço ainda doía e sangrava muito e conforme sua barriga fazia contrações ela se lembrava que não havia comido nada o dia inteiro, tudo que saía de si era uma água esbranquiçada.

- Você está bem? - o timbre de voz dele era grave, mas lhe tirava do devaneio de dor que a consumia. - Consegue andar?

- Não sei... - admitiu. - Por que fez tudo isso?

- Eu aprendi que não se bate em mulheres, - o moreno ajudou-a passando o único braço com que ela tinha por seu ombro e a levantando. - nem mesmo se elas tiverem feito uma coisa muito ruim. Você fez algo para eles?

Ela tinha feito, tinha roubado, mas como diria isso a um desconhecido que lhe oferecera ajuda sem deixá-lo desconfiado?

- Todo mundo faz algo errado um dia.

- Tem razão...

Ele a levou com cuidado até sua moto, por mais que a garota quisesse questionar a idade que aquele garoto possuía, ela não o fez, apenas se segurou o máximo que conseguia enquanto ele pilotava. Sequer perguntou para onde, o ferimento em seu braço era como um rio, parecia correr sangue até que ela não o tivesse mais. Em poucos minutos estavam em frente a um hospital, o moreno a carregou até lá dentro e sem pouco tempo alguns enfermeiros chegaram.

Entre a lavagem e a sutura ela se emergiu em questionar se ele ainda estaria lá fora quando saísse, se poderia retribuir a atitude de alguma forma ou se sequer poderia agradecê-lo pela ajuda. Fora sete pontos, os enfermeiros não fizeram muitas perguntas depois que ela pareceu não querer responder mais nada, e logo estava liberta do cheiro de álcool e remédios.

- Vejo que está melhor! - exceto pelo cheiro de lixo e a dor que ainda não havia passado. - Eu sou Baji, Keisuke Baji.

- Sou a Rukia. - Baji tentou imediatamente associar o nome ao rosto, mas era difícil com toda aquela sujeira. - Obrigada por mais cedo, você...

- Te salvei? Eu jamais deixaria alguém bater numa mulher na minha frente. - os caninos dele se mostraram quando sorriu e de alguma forma aquele sorriso a deixou confortável. - Vou te levar em casa para ter certeza que estará segura.

Ir para casa? Rukia piscou encarando Baji, o olhar perdido e cansado, no fundo desejava nunca ouvir aquela palavra.

- Eu não tenho casa. - admitiu esquivando-se, eles caminharam em silêncio até o lado de fora.

- E aonde você mora?

Eles eram adolescentes, ao menos era isso que Baji enxergava. A menina não devia ter mais que 1.60cm de altura e sua aparência ainda se assemelhava a uma garotinha. Os braços macros e as pernas mais finas também eram diferentes do que estava acostumado a ver em meninas, sua maior fonte de referência feminina era a irmã de seu amigo, Mikey, com seios consideráveis e bem mais alta que Rukia. Era impossível que uma garota morasse sozinha com essa idade.

Rukia não teve tempo de responder, quatro outras motos estacionaram em frente a moto de Baji antes mesmo que ela pudesse pensar no que diria. Quatro outros rapazes, pareciam ter a mesma idade que seu salvador e cometer os mesmos crimes - não usavam capacete e não tinha idade para pilotar.

- Onde você se meteu? - um deles, o mais alto, perguntou um pouco insatisfeito.

Ele era alto demais - maior que o próprio Baji - tinha um dragão tatuado na lateral da cabeça e cabelos loiros amarrados numa trança infantil. Os outros três tinham aparências variadas, o mais baixo tinha cabelos loiros e que chegavam quase a altura do ombro, presos na parte de cima; o segundo mais alto tinha cabelos platinados, riscos esquisitos nas sobrancelhas e usava um brinco que se assemelhava a uma cruz; o último dos garotos também era loiro, o cabelo mais curto com a lateral raspada.

"Amigos" Rukia pensou afastando a preocupação. Num último momento, atrás dos quatro, surgiu mais um, de cabelos loiros gema e olhos azuis. Parecia ter corrido muito para chegar até ali.

- Caraca pessoal! Vocês podiam ter me dado uma carona. - o menino reclamou e em seguida se sentou na guia ao lado das motos.

Baji passou a mão no cabelo, estava envergonhado.

- Rukia, esses são meus amigos.

"Amigos" ela repetiu o pensamento. Passou os olhos por cada um, lentamente gravando seus rostos, como se talvez aquela fosse a última imagem de sua vida. Com exceção do último a chegar, eles usavam a mesma roupa, o mais baixo não vestia a jaqueta por completo, estava presa aos seus ombros e por baixo havia uma camisa branca. Ela se lembrou da imagem de Baji batendo em todos aqueles garotos, o jeito que brigava, a forma que se comportava.

- Vocês são de uma gangue?

Rosa Negra - Tokyo Revengers (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora