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Taina.

Estava terminando de me arrumar.

Hoje seria o jantar com meu pai. Mais cedo fui pra Gatineau com Wilians. Fizemos algumas compras pro apartamento dele aqui em Ottawa. Chegará, semana que vem. Ele tem um ótimo gosto, principalmente por gostar de preto.

Meu pai chegou ontem, mas não tivemos tempo de conversar ou se ver. Por isso, hoje seria nosso jantar. Estou com tanta saudades que não cabe em mim. Esses últimos meses não tenho ficado tanto tempo longe dele, ate essa viagem e esse empreendimento aparecer. Eu poderia falar mil coisas que talvez faria meu pai parecer ausente na minha vida durante minha infância (um pouco) ele saia todos os dias as 5h da manhã e só voltava por volta das 11h da noite. É, em boa parte ele foi ausente. Mas eu tinha minha mãe, que nunca deixou que eu pensasse que ele não gostava de mim ou que não queria realizar a responsabilidade de Pai na minha vida.

Vai, não era sempre que ele tinha essa vida corrida. Sempre que voltava e tinha um tempo, por mais mínimo que era. Ele me presenteava e passava todo esse tempo comigo. Até um dia que finalmente ele pode começar a trabalhar de casa, porque sabia que já tinha chegado ao seu ápice, a sua vitória e conquistado tudo o que almejou. Não pra ele, mas pra mim.

Ele queria que eu tivesse um sustento e que pudesse descansar em paz quando partisse. Sabendo que eu estaria bem de vida e nada me faltaria, mas na parte material, porque me faltaria muito coisa...Ele.

As vezes olho pro meu pai sem ele perceber e penso; eu sou muito determinada como ele. Quem olha minha vida, diz; "não precisa trabalhar nunca na vida" Ah... eu trabalho, na verdade não trabalho, vivo um sonho.

Sonhei desde pequena em ser patinadora profissional e consegui. Tenho títulos, tenho medalhas, tenho troféus e meu nome nesse meio, que aliás é gigante.

Minha mãe sempre foi minha maior incentivadora. Ela acreditou em mim primeiro do que qualquer pessoa. Ela se foi, mas antes pode ver que a filha dela seria um sucesso na Patinação Artística e eu sou, eu me tornei e vou continuar crescendo ainda mais.

Meu pai foi o gato preto da relação desde sempre. Éramos próximos ao extremo, hoje somos mais, só que ele nunca soube demonstrar. Com a partida da minha mãe, ele aprendeu aos poucos. Mas sabe quando se percebe aquele olhar que brilha ao ver algo bom? É assim que ele me olhava e me olha até hoje.

Com os olhos brilhando.

Parei o carro e a porta da frente se abriu. Meu pai estava sorridente na porta me olhando. Peguei minhas coisas e os doces que trouxe de brinde.

São os favoritos dele.

Fui até o mesmo. Nos abraçamos fortemente. Que saudades desse abraço. Me sinto segura e aconchegada.

ㅡ você está linda minha garotinha! ㅡdeu um passo para trás para me analisar. Ele se aproximou e deixou um beijo na minha testa e logo entramos pra dentro. Ele fechou a porta e eu fui direto pra mesa pra ver o que tinha. Estava faminta.

Nem almocei hoje, guardei meu estômago pra essa noite.

Poutine. É um prato com batatas fritas acompanhadas por um molho gostoso de carne e muito queijo.

Lu fazia pra minha mãe as vezes. Ela não podia comer queijo, então era preparado sem. Mas mesmo assim, era uma delícia.

ㅡ você pediu no Aroma né pai? ㅡele assentiu. Sabia, esse cheiro reconheço de longe. Aroma Meze é um restaurante de Ottawa, que aliás é maravilhoso. Qualquer dia quero ir com o Victor lá.

Ele disse que iria lá em cima rapidinho buscar uma coisa e depois voltava. Como faltava nossos pratos e talheres fui buscar rapidinho. Ajeitei na mesa bonitinho e organizado. Provavelmente ele dispensou a Lu mais cedo e ela não pode nem arrumar a mesa, tadinha, ela infartaria se visse o crime que meu pai cometeu aqui.

ㅡ pode sentar comigo aqui um pouco filha? ㅡele perguntou com um envelope de documento em mãos. Assenti e fui me sentar com ele no sofá.

ㅡ que isso? ㅡperguntei curiosa.

ㅡ antes de te entregar isso. Quero te contar algo, saiba que você pode sair quando quiser daqui ou então me abraçar forte e conceder o perdão a mim e a sua mãe. ㅡele disse sério segurando minha mão. Assenti e pedi que falasse logoㅡ Sua mãe e eu nos conhecemos no colégio, amor adolescente. Nunca demos certo um com o outro, sempre foi aquela relação de implicância e raiva. E no final de tudo, a perdi pro meu melhor amigo. Eles namoraram e quando o colégio acabou, eles foram embora pra Inglaterra. Casaram e estavam construindo a vida. Nessa altura eu já havia desistido de ter algo com sua mãe, só reconheci que a amava quando vi que tinha perdido ela. Pois bem, me mudei para o Canadá e pouco tempo depois eles se mudaram. Decidimos marcar um jantarzinho pra relembrar os velhos tempos. E ver sua mãe foi o que me deu esperanças de continuar vivendo, eu sabia que ainda a teria. Duas semanas depois do jantar, meu melhor amigo havia tido uma parada cardíaca e ido para o hospital, estava melhorando sim, mas por complicações com uma doença se foi. Eu pude vê-lo antes e ele me pediu uma coisa. ㅡele respirou fundo. Pegou o envelope e me entregouㅡ que eu cuidasse da Cecília e da menininha linda que ela esperava. ㅡele disse sorrindo parecendo se lembrar do que viveuㅡ e eu cuidei filha, te amei e te dei tudo o que podia para que você se orgulha-se de mim de alguma forma. Só saiba que nunca quis esconder a verdade sobre seu verdadeiro pai, mas eu sabia que tinha que ser na famosa hora certa minha garotinha!
ㅡo olhei e assenti.

Eu não sabia o que estava sentido. Eu vivi minha vida inteira achando que ele era meu pai e agora descubro que não. A dor é inagualavel. Mas como vou julga-lo? Somos feitos de falhas. Ele é um ser humano e eu tenho certeza que jamais foi de caso pensado. Ele sempre deu a vida por mim, pra que eu tivesse algo e que fosse alguém.

Mas está doendo e muito.

Abri o envelope e olhei os documentos. A certidão de óbito da minha mãe e minha certidão de nascimento.

Respirei fundo. Precisava de respostas.

ㅡ porque não me contou? ㅡperguntei sem tirar os olhos do documento.

Oliver Parker, é o nome do meu pai de sangue.

ㅡ sua mãe pediu que só contasse quando você saísse dos 18 anos, porque sabia que você entenderia e nos perdoaria!
ㅡexplicou.

Sim. Eu perdoou, mas e a dor que sinto? Como fica? O que faço com ela?

ㅡ filha! Você pode ir embora se quiser, não se sinta obrigada a falar comigo agora se não quiser, está tudo bem. Você precisa do seu tempo! ㅡele disse calmo.

Eu preciso é do abraço do meu pai. Quem me criou e dedicou a vida somente pra mim.

O abracei fortemente. Eu poderia xingar ele e dizer milhões de coisas que no final me arrependeria amargamente. Eu não sei o dia de amanhã. Eu não sei se o terei amanhã para perdoar, não sei.

Minha mãe me ensinou desde pequena o dom do perdão. E porque não posso perdoa-los agora? Me amaram e me protegeram de estragar a minha infância.

Eu entendo. Com 21 anos eu entendo eles.

ㅡ obrigado por não me deixar! ㅡdisse sob as lágrimas em seus braços.

ㅡ jamais filha, você é o meu diamante mais valioso! ㅡele depositou um beijo na minha cabeça.

Eu o amo tanto. Eu amo meu pai de coração. E tenho certeza que vou aprender a amar o meu pai de coração.

Nós levantamos do sofá e fomos pra mesa. Estávamos com fome e mesmo com as lágrimas e o rosto borrado de maquiagem, era um jantar especial. Pra matarmos a saudade um do outro.

Eu fico muito feliz dele ter me contado e eu não descobrir por ninguém como muitas vezes acontece em certos casos. Estabelecemos uma confiança absurda entre nós dois.

Agora eu só precisava falar do Victor. E será hoje ainda. Confio.

ㅡ quando quiser, posso te contar um pouco do seu pai! Ele era divertido e brincalhão. ㅡele disse sorrindo ao lembrar.

ㅡ quero sim! ㅡpedi.

Fizemos nossos pratos e enquanto comiamos ele ia contando.
O meu pai de sangue era o próprio engraçado da turma em época de colégio. Devia ser um cara do bem pro meu pai não ter raiva alguma dele. Que bom né? Muito bom.


𝗔 𝗹𝗼𝘃𝗲 𝗼𝗻 𝗶𝗰𝗲 ㅡ (Tainactor) Onde histórias criam vida. Descubra agora