Capítulo 2

175 19 2
                                    

— Garrinhas? É você? — Com o livro ainda nas mãos, ela atravessou a cozinha, viu terra e pedaços de terracota espalhados pelo chão e uma gata da cor laranja com o rosto aterrorizado. — Ei... Você precisa começar a prestar atenção por onde anda.

Com o pelo quase na vertical de tão eriçado, a gata saiu em disparada para debaixo da mesa da cozinha e ficou observando Anahí de uma distância segura.

— Você se assustou, é? Saiba que quase me matou de susto. — Com calma, Anahí colocou o livro sobre a mesa e se agachou para limpar a bagunça. A gata se encolheu ainda mais sob a mesa. — O que você está fazendo aqui embaixo? Cadê o Poncho? Ele vai trabalhar até mais tarde hoje?

Alfonso , irmão mais velho de Maite, era proprietário do prédio e ocupava dois andares de cima. Era ele, arquiteto paisagista, quem havia encontrado, anos antes, a antiga e negligenciada propriedade tradicional de pedra marrom e quem lindamente a convertera em três apartamentos. Os quatro viviam ali em quase perfeita harmonia. Junto com a gata que Alfonso adotara.

Depois de recolher os cacos de vaso e a terra, Anahí foi buscar uma latinha de comida para gato. Ela continuou a falar com Garrinhas, cuidadosa para não fazer movimentos bruscos:

— Você está com fome?

A gata não saiu do lugar, por isso Anahí abriu a lata e colocou a ração na tigela que comprara depois da primeira visita da felina.

— Vou deixar aqui. — Ela devolveu a tigela ao chão.
Garrinhas se aproximou com a precaução desconfiada que sempre nutrira em relação a humanos.

Como era alguém que agia da mesma forma em relação às pessoas, Anahí simpatizava com a gata.

— Não sei por que você desceu, mas cuidado onde pisa. Não vá se machucar, ok? — Embora fosse tarde demais para dizer isso. Anahí sabia que Garrinhas havia sido abusada e abandonada antes de Alfonso adotá-la. O resultado disso era que a gata não confiava em ninguém além de Alfonso e ainda assim o arranhava caso fizesse movimentos bruscos.

Garrinhas farejou a tigela com cautela e Anahí recuou, dando espaço a ela. Fingindo ignorá-la, ela completou sua taça de vinho, cortou mais algumas fatias de queijo e se sentou à mesa da cozinha, que havia sido um presente de open house de suas amigas. Era seu lugar favorito para se sentar, especialmente pelas manhãs.

Anahí gostava de abrir as janelas e observar a luz do sol correr sobre o jardim. Era um local com iluminação privilegiada, que captava luz e calor desde cedo.

— Acho que a gente deveria comemorar. — Ela ergueu a taça. — À solteirice. Posso ir aonde quero, fazer o que quero, não dependo de ninguém. Eu guio meu próprio barco pelas águas que decidir navegar. Minha vida é ótima.

Com um olho em Anahí, Garrinhas farejou a comida novamente. Por fim, começou a comer e Anahí ficou surpresa com a sensação de satisfação que sentia pelo bichinho começar a confiar nela. Talvez ela devesse ter uma gata também.

Diferente dos humanos, os gatos entendem a noção de espaço pessoal. Ela abriu o livro e voltou a ler de onde tinha parado. Estava no meio do terceiro capítulo quando ouviu uma batida à porta. Garrinhas congelou.

Anahí enfiou um pedaço de papel dentro do livro tentando controlar a irritação por ser interrompida.

— Deve ser a Dulce ou a Maite, então não precisa ficar brava. O vinho delas deve ter acabado. Não quebre nenhum dos meus vasos enquanto atendo a porta.

Ela abriu a porta:

— Vocês beberam tanto que não conseguem... ah...
Alfonso estava de pé no corredor, ainda que "de pé" não seja a expressão exata, pensou Anahí. Ele praticamente preenchia o espaço inteiro. Tinha mais de 1,80m de atura, os ombros largos e fortes por conta do peso que carregava no trabalho.

Pôr do sol no Central ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora