23. Uma tempestade na escuridão (parte 2)

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As três irmãs não tinham como ligar isso à ação de Tupã. Eles não conheciam Tupã assim, como um deus ativo no mundo, mas só como uma lenda. Foram educadas e instruídas de que raios, trovões, ventos e tempestades são só fenômenos da natureza, e a natureza toda, toda ela, criação de Deus. O Deus cristão.

Como acreditar nas histórias do avô sobre o trajeto percorrido no céu por Tupã todas as vezes que sua mãe Nhande Sy, que o privilegiava dentre os irmãos, o chamava para estar com ela? As irmãs sabiam dessas histórias, mas jamais poderiam relacioná-las à pessoa que se encontrava, então, junto à porta de sua casa.

— Pam, pam, pam.

O barulho ouvido foi como o de um pau sendo batido com força na porta de madeira. Porãsy ficou ainda mais assustada. Sentou-se na cama. Com exceção dos instantes em que o brilho dos raios iluminava o quarto pelo vidro da janela, tudo estava muito escuro, ainda. A noite estava no seu auge, o amanhecer ainda distante, uma tempestade enorme se prenunciava lá fora e alguém batia na porta.

— Pam, pam, pam.

Mais uma vez, o barulho. Havia alguém lá fora e queria, com certeza, entrar. Porãsy se perguntou se só ela ouvia. Olhou para as irmãs, uma junto a ela e a outra na outra cama. Podia perceber quando os raios, então ininterruptos, iluminavam o quarto onde ambas estavam sentadas.

— Pam, pam, pam.

Não deu tempo nem de perguntar à irmã mais velha se estava ouvindo as batidas, quando estas, mais uma vez, se fizeram ouvidas, ainda mais fortes. E fortes também eram as batidas do coração dela. Será que o pai e a mãe teriam ouvido? Estariam eles acordados?

Porãsy percebeu que alguém ligava uma luz, talvez uma lanterna. Sinal de que mais alguém na casa ouvira as batidas na porta. O pai havia se levantado. Teve certeza de que a irmã mais velha também ouvira quando esta disse:

— E agora? Que barulho foi esse? Parece que tem alguém tentando derrubar a porta.

— Quem será? — questionou Porãsy, agora um pouco menos assustada, afinal as batidas da porta não eram imaginação dela.

— Quem é, eu não sei — disse a irmã —, mas boa coisa não é. Só pode ser notícia ruim. Ninguém bate na porta da casa dos outros, com tanta força e insistência, quando o dia nem amanheceu ainda. Ainda por cima, no meio de uma tempestade.

— Mas pode ser para pedir abrigo da chuva. Você ouvindo a tempestade?

É verdade. A chuva caía aos borbotões. Violenta como poucas vezes se lembrava. As plantas e animais estariam animados e felizes, não fosse a violência de Tupã.

— Vamos lá ver? — Porãsy se levantou. Estava entre curiosa e assustada.

— Não. Ainda não. — A irmã a impediu. — Vamos descobrir quem é, primeiro.

Uma nova batida na porta! Porãsy e a irmã podiam jurar que a casa toda se abalou com a última batida. Pareceu que as batidas foram concomitantes aos trovões, que estavam assustadores.

As meninas ficaram amedrontadas e perderam toda a coragem de ir à sala. Pularam juntas para perto da porta do quarto, certificando-se de que ela estava fechada e firme. Depois foram para a janela e fizeram o mesmo, puxando ainda mais a cortina, na tentativa de frustrar qualquer claridade e outra coisa qualquer que pudesse chegar pela janela, de entrar. Não havia sentido no que imaginaram, mas temeram a pessoa que batia na porta. Ela parecia associada aos raios e trovões.

— O que é isso? O que está acontecendo? — Amandy também acordou com o barulho da tempestade anunciada. Estava junto a Porãsy e queria chorar.

— Shii! — as duas irmãs mais velhas disseram juntas, se colocando perto da menor. As duas a abraçaram.

— Pam, pam, pam!

A casa foi agitada de novo. O barulho foi como de raios caindo em árvores próximas e o rimbombar dos trovões.

— Ai, meu Deus! — Yvy tremia. — O que é isso?

— Quem está aí? — A voz era do pai e parecia vir da sala, mais ou menos da direção em que ficava a porta. — Eu não vou abrir, se você não falar quem é.

O medo fazia as três irmãs, abraçadas umas às outras, tremerem juntas. Não tinham coragem de se mexerem. E ainda tinha aquele barulho que parecia o vento forte, daqueles que precedem tempestades. Fosse o que fosse, o que estava do lado de fora estava sem paciência e não parecia humano.

Todas as histórias das mortes e desaparecimentos vieram à mente das irmãs mais velhas. De repente, as duas relacionaram o que, ou quem, estava lá fora às tantas mortes e desaparecimentos dos últimos tempos na aldeia e arredores, e passaram a tremer ainda mais.

Um silêncio se fez por instantes. Pareceu que até o vento parara. Só a chuva caía intensa no telhado. No entanto, logo em seguida ouviram um barulho ainda mais forte e estridente.

— PAM!

E as três sabiam que a porta tinha ido ao chão pela violenta pancada que recebera, como um raio caindo na casa. Elas temeram pelo pai e pela mãe, que imaginaram estar na sala diante da pessoa, ou coisa, que tinha derrubado a porta. Fosse o que fosse, estava ligado aos raios, trovões, ventos e tempestade.

— Quem é você? O que você quer?

A voz do pai tremia. Ele estava agitado. Sua voz o denunciava. O que estaria vendo? Porãsy estava angustiada demais para falar ou manifestar qualquer ação.

— Ranchiii...

O barulho agora era da porta sendo arrastada, ou empurrada, no piso.

— Quem é você? O que quer? O que vai fazer comigo?

O desespero na voz do pai fez a pequena Amandy começar a chorar. Yvy a abraçou contra o peito, pedindo que ela ficasse em silêncio. As duas irmãs mais velhas estavam tão assustadas, que os corações delas batiam dentro de suas cabeças, e os podiam ouvir estourando seus tímpanos.

O que será que estava acontecendo na sala? Será que o monstro que invadira a casa estava matando o pai delas? Porque a esta altura nenhuma delas tinha dúvida de que havia um monstro lá.

— Porãsy. Cadê a Porãsy? Eu quero a Porãsy as três meninas ouviram uma voz masculina perguntar. O medo fez com que ambas se cobrissem na cama e se abraçassem.


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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora