10. A nova escola (parte 1)

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Finalmente estavam em frente à nova escola. Porãsy só notou que haviam chegado quando o ônibus parou e os alunos começaram a descer.

A escola ficava do outro lado da rua ao que ela se encontrava, então não a havia notado. Também estava distraída, talvez pensando no que Guarasyáva tinha falado.

— Vamos? — A irmã estava ao seu lado e a aguardava.

Os outros, que vieram com as irmãs desde a aldeia, também se dispuseram a acompanhá-las.

— Vamos mostrar a vocês onde fica a secretaria e, depois, nós vamos para sala — disse Cobi, irmão de Guarasyáva.

— Tá bom. Obrigada — respondeu Yvy.

Era uma escola pequena e as meninas não esperavam que fosse diferente, é claro, pois era uma cidade pequena, no interior do estado. Entraram pelo portão e se depararam com o pátio e as salas em duas fileiras, uma defronte à outra.

Porãsy contou, de forma rápida, e viu que seria de umas dez a doze salas de aula. Imaginou que uma delas deveria ser a sala de tecnologia e uma outra a biblioteca, talvez.

No centro do pátio, a adolescente identificou o refeitório, tendo, ao fundo, a cozinha e uma pequena lanchonete, mas ela sabia que comeriam a merenda da própria escola. Não tinham condições financeiras para comprar lanche todos os dias para as duas irmãs. Talvez, uma ou duas vezes por mês, quando os pais recebessem.

— Aqui fica a secretaria — disse Cobi. E dirigindo-se a uma moça, que as irmãs deduziram logo ser a secretária, continuou: — Essas aqui são novas na escola, Ellen. Se mudaram ontem para nossa aldeia. Essa é a... como é mesmo o seu nome? — Voltou-se para a irmã de Porãsy.

— Meu nome é Yvy Rajy, e o da minha irmã, Porãsy. Obrigada, Cobi.

O som forte de campainha, que fez doer os tímpanos, indicou o início das aulas. Os alunos se movimentaram em direção às suas respectivas salas.

— Eu vou indo, meninas — disse Guarasyáva. — Minha sala é aquela. — Apontou uma das salas.

— E aquela é a minha sala e de Mayra — disse Cobi. — Como aqui só tem um nono ano, a Yvy Rajy vai estudar com a gente.

— Tá bom, gente. Obrigada. Vou fazer as nossas matrículas, aqui, e depois vou pra sala. A gente se vê — disse Yvy.

Eles saíram, seguindo o fluxo dos alunos. Porãsy os observou por instantes e depois se voltou para Ellen, a secretária. Um suporte, mais ou menos da altura de sua cintura, no lugar da porta, que estava aberta e recostada, separava o interior da secretaria da parte externa, dando para o corredor.

— Então vocês são novas aqui? — disse Ellen. — De onde, mesmo, vocês são?

— De Dourados — responderam, juntas, as irmãs.

— Vocês vão ficar até o final do ano?

— Vamos, sim — responderam juntas de novo.

Porãsy já achou aquilo chato e decidiu não falar mais.

— Ótimo — disse Ellen. — Vocês trouxeram as transferências? Estão com seus documentos?

— Sim — desta vez, só a mais velha respondeu, mas as duas foram retirando, ao mesmo tempo, os documentos de suas mochilas, junto com as transferências.

A moça apanhou os papéis e deu uma olhada. Conferiu os nomes e séries.

— Nomes diferentes, os de vocês — disse. — Como que fala? É em língua indígena? Vocês são indígenas, né? Os nomes de vocês têm algum significado?

Porãsy se cansou só com o tanto de perguntas. Recostou-se na parede, olhando para o pátio, e deixou que a irmã respondesse.

— Sim, somos indígenas. — A irmã mostrou na identidade. — Etnia Kaiowá. Eu sou a Yvy Rajy e meu nome significa Filha da Terra, nativa do lugar, entende? Mas pode me chamar só de Yvy, se você achar complicado, o meu nome. Quase todos me chamam assim. O nome de minha irmã é Porãsy. Porãsy significa Mãe da Beleza. O nome dela é de uma heroína da nossa mitologia. Ela salvou nossos antepassados de uma série de monstros que estava destruindo o povo.

Aff! Pensou Porãsy. Para que a irmã tinha que entrar nesses detalhes? A menina ficou ainda mais enjoada. Se não tivesse que fazer a matrícula, sairia dali, com certeza.

— Uau! Que interessante! Aposto como a professora de História vai gostar muito de conhecer vocês e as histórias da sua mitologia. Ela tem um projeto sobre os povos indígenas do estado e é muito querida pelos alunos indígenas.

— Que bom — disse Yvy.

A moça pegou os documentos e se voltou para a impressora para tirar cópias dos papéis. Porãsy aproveitou para olhar melhor a parte interna da secretaria. Era bem pequena, com três escrivaninhas e um computador em cada uma delas. Uma outra moça e um rapaz ocupavam as cadeiras e pareciam trabalhar em algo muito urgente, porque não pareceram curiosos com as adolescentes, o que não era muito comum.

No fundo, uma porta aberta dava para mais um cômodo e Porãsy pôde visualizar uma série de armários. Provavelmente, arquivos com os documentos e matrículas de cada aluno

— Pronto. Já tirei as cópias e agora vou preencher tudo, mas a matrícula ainda vai ficar em aberto. Vocês duas são menores de idade, e é preciso que um de seus pais ou responsáveis venha assinar. Tá bom?

— Ah sim! Com certeza — disse a mais velha. — Esqueci de dizer que meus pais virão aqui à tarde. É que eles não queriam que a gente perdesse aula.

— Muito bom. Então está certo aqui. Assim que eles vierem, vocês receberão, também, a carteirinha do ônibus e o uniforme. Vocês têm material escolar?

— Temos sim, obrigada — ainda foi Yvy quem respondeu.

— Eu vou levar vocês nas suas salas.

Dizendo isso, ela saiu e foi conduzindo as irmãs pela escola. Primeiro, deixou Yvy em sua sala, apresentando-a ao professor que estava ali naquele horário. Era a mesma sala de Mayra e Cobi, como elas já haviam sido prevenidas.

Depois, a secretária conduziu Porãsy à sua sala, repetindo a mesma ação de apresentá-la. Guarasyáva, que estava naquela sala, fez sinal para ela, indicando uma carteira vazia ao lado da sua. Ela mesmo a separara para a garota. Porãsy ficou feliz com o gesto, afinal não conhecia mais ninguém ali.

— E aí? Deu certo? — ela sussurrou, assim que Porãsy se sentou.

— Deu, sim, mas a matrícula só será validada quando meus pais vierem assinar. Mas eles vão vir de tarde.

— Ah, tá!

— Que aula é agora? — perguntou, com a intenção de pegar seu caderno.

— Língua Portuguesa. O nome da professora é Silvana. Ela é bem legal.

Porãsy retirou seu caderno, seu estojo, pegou uma caneta e marcou a primeira matéria do caderno: "Língua Portuguesa — professora Silvana". 


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(continua) 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora