17. Uma estranha mulher

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Pedro Larangeira, o pai de Sérgio, foi a feira no centro da cidade. Ele se distraía com o movimento, com a compra e venda dos produtos, gostava de pechinchar com os feirantes, se orgulhava de ser um bom negociante. Os feirantes já o conheciam e temiam aquela negociação interminável, mas hoje ele não estava muito falante e dessa vez, ele não pechinchou como sempre fazia.

Ao passar por uma banca simples, que estava meio escondida no meio das grandes bancadas dos feirantes maiores, ele sentiu um cheiro forte de mato orvalhado e de infância.

Tentou resistir, mas aquele perfume lhe impregnou como um perfume. Parou e olhou a bancada simples e sentiu seus pés responderem quase de forma automática àquele cheiro. Quando se deu conta estava na frente dela e uma indígena idosa o olhava calma, como se o estivesse esperando.

A bancada tinha dois sacos cheios com erva mate rústica processada manualmente e para enfeitar, um galho com as folhas mais verdes que ele tinha visto. Tocou-as admirado, como se não fossem de verdade. A textura era familiar, quase como sobrenatural. Uma balança antiga estava próxima.

— Bom dia! Senhor? Posso ajudar? — a senhora perguntou. Estava vestida de forma bem simples: saia comprida verde e uma camiseta de malha vermelha desbotada. Seus cabelos eram raiados de branco, seu rosto marcado pela idade, mas seus olhos eram juvenis, brilhantes.

— Ahnn? — Pedro falou como se despertasse e a olhou interrogativamente. — Desculpe! Estava distraído. Mas ... nunca a vi por aqui antes, senhora. Com certeza eu saberia se a tivesse visto, pois sua erva mate me chamou a atenção e não esqueço um rosto também.

— Bem o senhor pode ser que tenha visto alguma de minhas filhas. Eu saio muito pouco da aldeia. Hoje estou no lugar delas e trago para a feira a melhor erva mate que o senhor poderia comprar.

— Sei! Bem e que erva tão maravilhosa é essa?

— Veja! Sinta esse cheiro. Nós colhemos a erva nós mesmos e fazemos tudo em nossa aldeia. É o melhor tereré que o senhor vai tomar na sua vida. Posso lhe garantir.

Pedro aproximou um pouco da erva ao seu nariz e o perfume invadiu sua alma, o inebriou. No mesmo instante se lembrou da infância, de sua mãe e sua boca encheu de saudades. Fechou os olhos e balançou a cabeça concordando.

— São vocês que a produzem?

— Sim, na nossa aldeia. Foi minha família que começou com o trabalho. A gente mesmo que faz todas as etapas, desde a colheita da erva no mato, a moagem grossa e a fina, tudo quem faz é a minha família.

— Dá pra ver a qualidade da erva. Quero comprar uma saca dessas, pois gostei demais, ?

— Então o senhor entende do assunto. Sim! A gente mesmo sapeca. E a gente usa um tipo especial de lenha para acrescentar um sabor todo especial. Ela estimula e desenvolve a visão, fortifica e nos dá direção — a velha sorriu enigmática. Faltava alguns dentes na boca.

Demoraram dez minutos na negociação, porém Pedro viu que estava diante de uma comerciante esperta e que não conseguiria uma pechincha boa. Pagou o valor acertado e contratou um garoto para carregar a saca até sua caminhonete, bem como suas outras compras do dia, agradeceu e seguiu seu caminho.

Assim que ele virou as costas e se misturou à multidão a mulher se levantou de seu banquinho e saiu caminhando devagar, sem ser notada por ninguém. Ninguém percebeu que a bancada sumiu, como se nunca tivesse existido...

Ao virar numa esquina sua pele ganhou vitalidade e juventude. Seus cabelos cresceram e adquiriram a tonalidade de um preto brilhante começando a esvoaçar ao vento. Desenhos vermelhos marcaram sua pele. Ela agora era uma jovem de beleza deslumbrante. Pintada com corante de jenipapo e urucum, ela sorriu satisfeita e desapareceu.

***

Pedro Laranjeira Chegou em sua casa. Seus filhos estavam na escola e sua esposa com amigas resolvendo coisas de uma quermesse que ocorreria na próxima quinzena. Ele deixou as compras na mesa da cozinha, guardou as carnes e os peixes na geladeira e olhou a saca de erva de tereré que comprara. Acho que exagerei nessa compra, ele pensou.

Mas se tranquilizou e se conformou quando decidiu que ia levar uma amostra da erva para o laboratório, pois queria desvendar as peculiaridades daquela espécie de erva mate. Talvez fosse uma espécie desconhecida ou híbrida e pudesse explorá-la no futuro.

Ao mexer na saca, o perfume o envolveu novamente. Sua boca salivou. Pegou água na geladeira, a sua cuia, a bomba e colocou a erva nela.

Jogou o líquido sobre a folhagem e olhou a água ser absorvida na erva. Ele saiu com a água e o tereré para a área externa. Afastou uma cadeira, se sentou confortavelmente e começou a tomar a bebida.

Uma calma preencheu seu corpo. Ele se sentiu relaxado e fechou os olhos.

De repente, seu coração acelerou provocando uma agitação interior... Sentiu um vento no rosto e a textura de capim sob seus pés.

Percebeu que não estava mais na área de sua casa. Abriu os olhos com medo e se viu em outro lugar. Confirmou no mesmo instante, observando o ambiente, que estava em outro tempo.

Na sua frente um grupo de homens explorava a mata fechada. Enquanto ele os olhava assustado e sem entender o que estava acontecendo, um deles veio em sua direção e o atravessou como se não estivesse ali. Pedro gritou assustado, mas o outro não esboçou reação, como se ele não existisse, ou se fosse um fantasma.

Virou-se acompanhando o homem com o olhar e achou que o reconheceu. Seu peito se agitou. Ele tentou falar, mas não saiu nenhum som de sua boca.

Como? ... O que estava acontecendo?

Ele reconheceu o homem que estava em sua frente distribuindo ordens aos empregados. Conhecia-o de velhas fotografias. Ele era o seu avô, e Pedro Laranjeiras não tinha dúvidas sobre isso. 

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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora