30. Raptadas (parte 1)

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Assim que se recuperaram da inércia que tomou conta deles por alguns segundos ao verem Porãsy sumir em meio ao emaranhado de folhas, galhos e cipós que acompanhavam a estrada, Thomas e as meninas entraram no mato atrás dela. Aonde quer que ela fosse, eles iriam também. Essa era uma decisão que não precisava ser externada.

Yvy Rajy era, talvez, a mais preocupada. Quase sentia em si a aflição e os sentimentos da irmã, afinal Porãsy era sangue do seu sangue, sua melhor amiga e confidente, e ela a sua protetora.

Mas Thomas também estava angustiado. O amor dele por Porãsy era, se possível, ainda maior do que o da irmã, pois atravessava dimensões e patamares. No mundo originário, quando os deuses ainda habitavam a Terra com os humanos, os dois tinham sido irmãos e, ainda que não fossem mais irmãos físicos, eram unidos de alma. Agora eram primos, mas a ligação dos dois era de um só coração, corpo e mente. Mesmo que ainda não estivessem se entendendo completamente no mundo atual, ele sabia que não tinha como um ficar sem o outro. O que acontecesse com um deles, poderia comprometer seriamente a vida e sanidade do outro e ele não podia falhar com ela. Não mais. Não dessa vez.

O que o grupo não tinha como esquecer, e talvez nenhum outro humano se lembrasse disso naquele momento, era a relação eterna entre Porãsy, Guarasyáva, Tupinambá e Thomas.

Aparentemente nem o avô Tupã'y ainda se dera conta, mas o fato era que esses quatro amigos eram a manifestação atual dos quatro irmãos originários: Porãsy, a bela e encantadora menina, a mãe de toda beleza, destemida e de grande força física, aquela que enfrentaria os monstros lendários sem temor; Guarasyáva, grande nadadora e ágil nas águas; Tupinambá, de grande força física.

Ali estavam eles, unidos de novo em um mesmo tempo e no mesmo espaço. E claro, com as manifestações claras dos lendários monstros filhos de Tau e Kerana.

Exatamente como Porãsy fizera, os quatro entraram no mato, seguindo o rastro dela, chegando ao local das plantas cheias de espinhos que formavam um muro compacto e por onde Porãsy não conseguiu mais prosseguir. Eles alcançaram a menina quando Kauã falava com ela. Conseguiram ouvir, de forma nítida, as suas palavras e depois, as de Jasy Jaterê, quando ele dissera: "É ela, mano? Tem certeza de que é ela?" e Kauã respondera: "Claro que é ela. Tenho certeza, sim. Onde haveria outra menina chamada Porãsy? O destino nos uniu novamente".

O grupo se assustou muito com essas palavras, mas se assustou ainda mais com as outras palavras do garoto loiro: "Então vamos levá-la? O mano está impaciente. E ele não gosta de esperar e, menos ainda, de ser contrariado."

Thomas imediatamente os alcançou e interveio indignado.

— Vocês não a levarão a parte alguma!

Kauã se voltou imediatamente para Thomas, agitado e com raiva nos gestos e olhar. Sua mão se fechou com força.

— Saia daqui, estranho! Você não tem parte nessa minha conversa com Porãsy. Por que todas as vezes que estou com ela em minhas mãos você tem de aparecer? O que está fazendo aqui? Você não mora naquele acampamento horroroso e minúsculo, à beira do asfalto?

As meninas descobriram, ali, que Kauã conhecia Thomas, mas ainda não sabia a ligação que os dois tinham um com o outro.

— Você não sabe, ainda, quem sou eu, né? — Thomas falou com voz baixa e suave. — Você ainda não reconheceu que sou Tumé Arandu, o sábio?

Ao ouvir isso, Kauã deu um passo para trás, quase tropeçando em raízes e galhos caídos, se afastando de Thomas, bastante assustado. Seus olhos analisaram o garoto de cima a baixo, na tentativa de reconhecê-lo.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora