11. Histórias, lendas e... também fofocas

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— E então, o que vocês iam me contar sobre aqueles dois? — Porãsy perguntou, direta, para Guarasyáva e Mayra, assim que elas se sentaram ao lado dela para lanchar.

Porãsy não aguentava mais a curiosidade. Ainda que tivesse se envolvido em uma briga, ido para a diretoria, levado uma advertência no primeiro dia de aula e isso a tivesse feito esquecer deles por um tempo, a mente dela teimava em lembrá-la da frase sussurrada por Guarasyáva, ao seu ouvido, um pouco antes de descerem do ônibus para entrarem na escola: "Depois eu te conto o que as pessoas falam sobre eles".

Então ali estava o grupo reunido e ela queria saber logo. Se existia uma história sobre aqueles dois, queria saber, pois acreditava que essa história explicaria o fato de tê-los visto antes em situações inusitadas.

Mas, assim que Porãsy fez a pergunta a Guarasyáva, percebeu uma mudança na feição das primas de Pirakuá. Elas a encararam, encararam sua irmã, que estava sentada ao seu lado, e olharam em volta. As irmãs entenderam que procuravam pelo rapaz.

— Na verdade, não são só os dois, e o que se fala deles é assustador. Tem certeza de que quer saber? — Mayra perguntou.

Porãsy reclamou internamente, resistindo a revirar os olhos: Tudo para esses meus parentes de Pirakuá é assustador ou inspira medo. Pelo menos, tudo que ela ouvira até ali. Primeiro, Porãsy quis negar. Não, ela não estava tão interessada assim. Mas, então, se lembrou do estado em que ficara, do colar enfeitiçador, da lembrança de tê-los visto em outros estranhos momentos, e se deu conta do quanto ficara assustada e abalada, e do quanto isso a estava incomodando.

Sim, ela queria muito saber dos mistérios que envolviam aqueles dois, e queria, também, saber dos outros, se havia mesmo outros.

— Claro, desembucha logo — respondeu convicta. Sua irmã, no entanto, permaneceu quieta e a olhou em silêncio.

— Dizem que eles são vários irmãos. Uns cinco ou seis, talvez sete. — Porãsy estremeceu ao ouvir o número sete. Achava o número sete bem aterrador nas histórias. Por que será que toda história horripilante tem que ter o número sete? pensou. — Só que ninguém viu os pais ainda, se é que existem pais.

— Credo! — exclamou a menina. — E quem seriam os pais?

— Isso, ninguém sabe — continuaram as meninas. — O que contam é que parece que eles vivem nas cavernas do Buraco do Peixe, umas cavernas que têm aqui na aldeia. Não moram em casas, sejam de sapé ou de alvenaria.

— Mas isso é verdade? — Yvy Rajy parecia descrente.

— Bom, para saber com toda certeza, alguém teria que fazer uma excursão até lá e investigar. O que contam é que eles são tipo vampiros ou zumbis. Assim, comedores de gente! — exclamou, dramática.

A irmã de Porãsy não se aguentou e começou a rir. Não uma risada escandalosa, mas, sim, aquela risada suave, típica dela. Aliás, tudo nela era assim, suave. Nunca se alterava.

— Vampiros... zumbis... O que mais? — E Porãsy percebeu que ela estava sendo irônica, mas, por causa da sua suavidade nata, ninguém percebeu.

Porãsy ficou olhando a irmã. Yvy era sempre assim, muito racional para sua idade. Sempre falava para as irmãs que todas essas histórias eram contadas pelos mais velhos para colocar medo nos mais novos; para intimidá-los e fazê-los fugir ou se afastar de determinadas situações. Estas situações, sim, realmente perigosas, mas que crianças e adolescentes não ouviriam, se fossem contados só os fatos.

Então Porãsy imaginava o que ela estaria pensando naquele momento. Talvez a irmã ponderasse sobre como seriam as cavernas do Buraco do Peixe. Seriam perigosas? As matas circundantes seriam habitadas por seres, ou melhor, animais perigosos? Seriam as águas do Buraco do Peixe perigosas para crianças? Quais motivos levariam adultos a criar histórias amedrontadoras sobre o local?

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora