Na segunda-feira, Porãsy voltou a frequentar a escola. Na mesma rotina de antes, saíram de casa bem cedo e, para a tristeza da menina, nem sinal de chuva. A poeira continuava a mesma e fazia muito calor. Ela se sentou no local que já havia tomado como seu e ficou olhando as plantas secas na margem da estrada, sujas de poeira e, algumas delas, um pouco murchas. Quando choveria?
No lugar de sempre, o rapaz das histórias ao pé do ouvido subiu no ônibus. Porãsy seguiu-o com o olhar, aguardando que ele olhasse para seu lado e a visse, e ele olhou. Subiu, passou pela catraca e foi em sua direção.
— Oi. — Ele deu um sorriso de leve.
Seu olhar examinou a adolescente. Ela que achou que ele estivesse se questionando por que ela faltara tanto e por que aparecera novamente. Depois Porãsy abandonou esse pensamento. Considerou que não tinha nada a ver. Talvez nem tivesse notado faltara.
— Oi — respondeu.
Ele continuou andando até o banco mais atrás, onde sempre se sentava. Durante todo o trajeto, Porãsy quis olhar para trás e ver se ele a olhava, mas se conteve.
Guarasyáva, sempre no banco logo atrás do seu, a cutucou no ombro e cochichou:
— Parece que só tem você no ônibus. Ele não cumprimentou mais ninguém.
Porãsy deu de ombros. Não sabia por que ele a cumprimentara e ignorara os outros. Queria acreditar que ele tivesse algum interesse por ela, mas, depois, abandonou também esse pensamento. Um rapaz lindo como ele não se interessaria por ela.
Na sala de aula tudo transcorreu sem nenhum incidente mais expressivo. As matérias continuavam fáceis, os conteúdos ainda eram conteúdos que já estudara. Nenhuma novidade ou dificuldade.
O rapaz da briga do primeiro dia se mantinha longe e quieto. Melhor assim, ela pensou. Que ele continuasse sempre assim, apesar de não entender por que ele mudara tanto o seu comportamento. Será que seria pela ameaça de receber a transferência? Ela se recusou um pouco a acreditar nisso também, afinal ele não parecia um tipo que cedesse tão facilmente. Ele parecera, no primeiro dia, mais daqueles que jamais ficariam quietos e sempre implicariam com os indígenas, mas, enfim, se ele deixara de ser provocativo, não seria ela a ser diferente. O conselho de seus pais martelava sempre em sua mente.
No intervalo, as coisas também transcorreram como nos primeiros dias. Porãsy viu Kauã de longe, mas ele pareceu não a ver, para sua decepção e tristeza.
Quando deu o sinal de encerramento das aulas, Porãsy foi uma das últimas do seu grupo a entrar no ônibus. Tinha poucos lugares vagos. Sua irmã já tinha companhia, um adolescente Karaí da sala dela. Os dois conversavam sobre a aula e um trabalho que teriam de fazer. A menina ficou chateada dela não ter guardado seu lugar e se dirigiu para o fundo do ônibus.
Então ela o viu, em seu lugar de sempre, e, na cadeira ao lado, mantinha a mochila. Ele, sim, guardava lugar para alguém ou para ninguém em específico. Talvez só quisesse evitar que alguém indesejado se sentasse ali.
Viu quando Porãsy se dirigiu para a parte de trás do ônibus. Seus olhos se fixaram nos dela e o velho arrepio passou por todo seu corpo. O rapaz alcançou a mochila, retirou-a do banco e colocou em seu colo.
— Senta aqui, Porãsy — disse, indicando a ela o lugar, então, vago.
A menina sentou-se ao seu lado com o coração aos saltos. Por instantes, não teve coragem de encará-lo.
— O que foi? — ele perguntou — Não quer se sentar aqui?
— Não. Quer dizer... sim... quer dizer... não é isso. Tanto faz.
Porãsy ficou muito envergonhada da sua resposta. Havia ficado confusa. Olhou para ele. Seu rosto estava lindo. Parecia ainda mais bronzeado. Devia ter tido a mesma ideia que eles tiveram no final de semana, e ido para as prainhas do rio ou mesmo de algum açude. Seus olhos negros tinham um brilho incrível e ele a encarava. Seus lábios ensaiavam um pequeno sorriso.
— Sim, não ou tanto faz? Afinal, quer ou não quer se sentar aqui? — o jovem perguntou.
— Não. Tudo bem. Tudo bem, sim, sentar aqui.
— Que bom. Por instantes, achei que você não quisesse. Porãsy... não gosto de seu nome. Você não tem um outro? — perguntou.
Ela o olhou. Era incrível como seu humor mudava rápido. Por que, afinal, ele não gostava do seu nome? O que ele tinha contra?
— Olha, desculpa. Não é por nada, não. É que conheci uma outra Porãsy e ela era uma menina horrível. Nos fez muito mal, a mim e a meus irmãos — o garoto completou.
O arrepio de Porãsy foi muito mais intenso ao ouvir isso. Seu coração quase parou e ela não conseguia respirar direito. Nunca encontrara ninguém com seu nome, antes, e então ele dizia que tinha conhecido uma outra Porãsy e que ela havia sido ruim para ele e os irmãos. Temeu e tremeu. Por milésimos de segundos, partes das histórias do avô desfilaram em sua memória: Porãsy, Kerana, Tau, os filhos de Kerana e Tau.
Mas por que essas lembranças, naquele instante? Queria saber mais e, com certeza, precisava saber mais.
— Onde? Onde você conheceu uma outra Porãsy? E o que ela fez para vocês?
Ele a olhou de forma estranha, antes de responder. Porãsy tentou interpretar o que o olhar dele dizia. Ele balançou a cabeça de forma quase imperceptível, erguendo levemente a ponta dos lábios. Tudo indicava que a achava irônica.
— Isso foi há muito tempo — respondeu, afinal. — Não vale a pena comentar. E então, você tem, ou não, um outro nome?
É claro que ela não tinha um outro nome. Nem apelido, ela tinha. Ainda que tivesse...
— Não. Não tenho outro nome — respondeu ríspida. — Não entendo o porquê disso.
Os olhos dele faiscaram. O aspecto do rosto mudou, denunciando raiva. Mais do que isso: ódio. Por que isso de novo? pensou Porãsy.
— Tá, então — ele disse.
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(continua)
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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígena
FantasíaHouve um tempo além do tempo, onde a Criação havia começado e os deuses andavam livremente na terra. Nessa era existiu Kerana e seus sete filhos monstruosos e amaldiçoados. E existiu Porãsy, a garota de quem as profecias falam... Mas, com o passar...