36. Final (parte 2)

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Do lado de fora, os homens viram que era o momento de agir, mas não estavam lá as pessoas que Porãsy esperava estar. Na entrada da caverna, estavam o pai de Sérgio, seus homens e a polícia.

Eles haviam chegado à tarde em Jaguaru. Trouxeram todo tipo de explosivos que julgaram necessário. Já tinham tudo preparado. Os explosivos estavam nos lugares adequados. Era só acender o pavio e tudo iria pelos ares, matando todos os monstros, extinguindo para sempre toda as feras. E foi o que o pai de Sérgio fez: acendeu o pavio.

Porãsy percebeu o que estava acontecendo e deu um grito desesperado.

— Nós temos que sair daqui. Agora! Senão todos morreremos — gritou para os irmãos.

— Não há mais saída para nós, pequena Porãsy. Mais uma vez estamos condenados. Vá você! fuja! Salve-se! — Monhãi também entendeu o que acontecia e soube que, além dos explosivos, os homens estavam armados. Se tentassem sair, seriam alvejados. Não havia mais chance para eles.

— Nãããão! — Porãsy gritou. — Eu não vou sem vocês. Não sem você, Monhãi. Como poderia? Depois de tudo o que vivemos juntos. Não! Tem de haver outra forma! Não é justo! — Seus olhos estavam manchados de lágrimas grossas.

Todos os irmãos perceberam e sentiram sinceridade nas palavras de Porãsy. Ela não fingia mais. Realmente tinha afeto por Monhãi. Apesar de toda sua deformidade, Porãsy o amava. Um amor de tia para com o sobrinho. Kerana fora sobrinha da Porãsy originária. Os monstros deformes eram sobrinhos de segundo grau. E Porãsy os amou. A cada um. Sentiu dor pela maldição que caía sobre eles.

— Vá, Porãsy — Monhãi insistiu, mais uma vez. — Você ainda pode ser salva. Para nós, não há mais esperança, mas você nos salvou, ainda assim. A maldição foi quebrada. Amamos e fomos amados: essa era a regra; a exigência dos deuses sobre nós.

Porãsy abraçou os irmãos. Aconchegou-se junto às terríveis e pavorosas criaturas. Odiadas pelos deuses, amaldiçoadas por eles. Odiadas também pelos seres humanos, pelos próprios parentes. Porãsy chorou. Por ela e por eles, pediu perdão a todos e aos deuses, mas ficou junto deles.

***

Lá fora, sem saber do que acontecia dentro da caverna, uma explosão aconteceu. Os não-indígenas, vindos da cidade para acabar com os monstros que habitavam o local, haviam destruído a entrada e toda a caverna. Porãsy ainda estava lá dentro, junto com os monstros lendários, quando tudo foi ao chão.

O estrondo alcançou as pessoas da Aldeia Pirakuá, que subiam pela colina. Alguns caíram, outros gritaram, e todos se seguraram uns aos outros.

— Não! — gritaram Thomas, o avô e os pais de Porãsy.

— Não! Porãsy está lá dentro! — gritou Thomas.

O fogo se elevou sobre a entrada da caverna e tomou conta de toda a colina, como uma enorme fogueira de vários metros de altura e de extensão. Uma tocha gigante, que ascendia o dia dentro da noite.

As pessoas da aldeia, na colina, se ajuntaram e caminharam de mãos dadas. Seus cânticos aos deuses superavam os terríveis gritos dos sete monstruosos irmãos que eram queimados e morriam dentro da caverna, junto a Porãsy. Foi uma noite de horrores, aquela. Canto, pranto, gritos de dor e de vitória. Tudo ao mesmo tempo, junto e misturado.

Por fim, quando a família e amigos da menina se deram conta de que não havia mais nada a fazer, caíram prostrados. Thomas deu as costas ao fogo. A poesia fugiu do rosto do homem sábio e a dor o advertiu de sua derrota, rolando em pérolas transparentes pela sua face. Porãsy sacrificou-se. A mente do rapaz queimava como as labaredas do incêndio. Aquela que fora sua irmã desde o princípio, sua prima querida, morreu nas mãos dos monstros. Não nas mãos dos monstros lendários, filhos de Tau e Kerana, mas nas mãos de monstros, ainda assim: os não-indígenas vindos da cidade. O adolescente tentou, em vão, se liberar das terríveis imagens, mas, por muito tempo, elas se converteriam em lágrimas no seu rosto e em dor no seu coração.

Dentro da caverna, os monstros queimavam no ardente fogo. Debaixo deles, Porãsy e seu pequeno corpo entrava na transformação final. A morte chegou para cada um deles. Morte de dor, morte cruel. O espírito de Porãsy ainda estava claro. Ela conseguia ver cada um queimando no fogo atroz e se libertando.

Perto do amanhecer, quando o sol ainda não lançara sua luminosidade para o dia, toda a aldeia testemunhou a ascensão de uma luz pequena e intensa para o céu. Luz que, desde então, eles chamaram de Porãsy. Acreditavam que o espírito da pequena Porãsy passou a iluminar o alvorecer de todas as manhãs, a partir daquele dia.

***

Por sete dias e sete noites, a colina ficou debaixo do mar de fogo. Todas as árvores foram queimadas, todas as plantas e muitos animais. Só sobraram as cinzas. No final, os sete males elevaram-se ao céu, convertidos em sete pequenas estrelas, que agora conhecemos como a Constelação das Plêiades ou as Sete-Cabrinhas. A comunidade da Aldeia lhe deu o nome de Eixu e, até hoje, eles são conhecidos por esse nome.

O fogo consumiu os horríveis corpos dos monstros e purificou seus espíritos. Amados por mais alguém, que não seus pais, passaram a descansar para sempre no alto céu, redimidos pelo amor de Porãsy.

Quando a luz do oitavo dia apagou os últimos restos da densa fumaça, Thomas e os outros entraram na gruta ou no que restava dela.

O vento carregou as cinzas para sempre e a tribo respirou novamente a brisa límpida que Tupã legou no começo.

***

A alegria que toda a aldeia sentia, libertados do tormento e do medo provocados pelos monstros lendários, foi prejudicada pela falta que sentiam de Porãsy, que se sacrificara por eles. Por todos eles: pelos da aldeia e pelos seus sobrinhos, as feras humanoides.

Seus amigos choraram. Suas irmãs e família também choraram. Em um doloroso silêncio, num canto, Thomas chorou abatido. Clamou à selva; ao vento que movia as folhas; aos rios; ao barulho das águas, que seguem sem poder retornar ou parar; ao ar da tarde, na forma do vento que bagunça o cabelo da menina. E os pássaros, no canto triste, também choraram. A montanha, de onde a água da chuva escorria lenta, também demonstrou sua dor, derramando lágrimas. Era a dor pela perda daquela que fora tão bela. Tão bela em seu corpo e em seu espírito: a mãe de toda a beleza.

***

Quanto aos monstros lendários, 

eles alcançaram o patamar a que estavam destinados: 

O patamar dos deuses.



Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde histórias criam vida. Descubra agora