Capítulo 20: A Lua Está Observando

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 - Vai fazer janta hoje...?

 - Dado que não pude comparecer neste início de tarde, agora estou aqui para repetir o mesmo planejamento, embora em condições diferentes das iniciais.

 - Entendi... Bom, vou me sentar um pouco.

 Theoto acomodou as costas no sofá e tampou o rosto fazendo uma concha com ambas as mãos. Um suspiro pesado saiu de seu nariz e alguns grunhidos vazaram da boca parcialmente fechada.

 O cheiro que estava saindo da panela era realmente muito bom, mas o garoto deixou de se importar com ele no momento em que sentiu o corpo relaxar. Não teve nem mesmo vontade de ligar a televisão ou pegar o telefone. Passar o resto da tarde com a Lorena realmente havia mexido com o pobre rapaz.

 Ária, que estava observando a panela, calmamente se projetou até a mesa que ficava logo ao lado do sofá e, sem cerimônia, sentou-se confortavelmente  enquanto arrumava a parte de baixo da camiseta que estava usando. Sem nem uma palavra, olhou para o jovem rapaz fazendo drama.

 Após deixar as mãos escorrerem da própria cara, como se tirando à força o estres e cansaço, retribuiu silenciosamente o olhar. Desde quando observa-la dessa maneira havia se tornado algo tão comum?

 A partir do momento em que ele adquiriu consciência, jamais imaginou que poderia ter algum tipo de contato com a alta classe da sociedade. Ryan criou uma exceção quando passou a namorar Lorena, mas não era algo que Theoto ativamente participou e, se conversava com ela, era apenas porque seu melhor amigo fez o primeiro movimento.

 Normalmente, para o garoto, era normal apenas observar de longe. Como esse tipo de contato nunca aconteceria, não se importou de fato em ficar deprimido. Era apenas natural que camadas diferentes não se misturassem. Entretanto, essa sua percepção foi virada de cabeça para baixo naquele inicio de tarde chuvoso.

 As consequências de ter passado no meio do parque apenas para não tomar mais chuva foi o suficiente para lhe gerar uma nova visão de mundo. Na verdade, foi mais pela insistência de ambos em quitarem dividas que não precisavam ou que, à princípio, já estavam totalmente pagas.

 Seja como for, esse motivo ainda não era o fator primordial que o fez chegar nesse exato momento. Antes mesmo de sequer imaginar estar familiarizado com essa troca de olhares, ambos já haviam se encontrado algumas vezes por circunstâncias aleatórias e que acabaram os aproximando, mesmo que "aproximar" não seja exatamente a melhor definição. Mesmo que Ária estivesse fazendo tudo aquilo por ele, não era como se o garoto sentisse que eles tinham qualquer conexão emocional ou genuína.

 Por mais que a garota já tivesse brincado de enfermeira e até conversarem um pouco sobre assuntos diversos, tudo parecia tão artificial que era um pouco surpreendente ela ainda estar lhe entregando pacotes de comida todos os dias.

 Já não era mais como se a garota quisesse pagar algum tipo de dívida, tanto que, ao confrontada, ela apenas jogou a responsabilidade na suposta sorte que o garoto teve quando a encontrou pela primeira vez. Mesmo que ela não falasse muito, essa situação o deixou com um pouco mais de vontade de perguntar motivações que ela provavelmente estava escondendo.

 Contudo, mesmo que o abismo entre eles estivesse totalmente visível para Theoto, não era como se as coisas não haviam mudado em nada desde o dia em que se conheceram. Como um forte indicativo para si mesmo, percebeu que Ária aparentava estar se soltando um pouco mais, mesmo que vagarosamente. Ainda que as atitudes permanecessem iguais, o fato dela estar falando mais acabou o deixando satisfeito, de alguma maneira.

 No fundo, sentia-se feliz por não estar piorando essa relação totalmente desconexa e que surgiu por mero acaso do mal tempo.

 Por isso, quando Theoto percebeu os olhos dourados fixados em si, entendeu que ela estava esperando que ele falasse algo, e assim o fez:

A Garota e a ChaveOnde histórias criam vida. Descubra agora