Parte III

119 26 0
                                    

Hongjoong o encontra em um banco no meio da estação. As luzes estão apagadas, nada além de ruínas: lixos espalhados e etiquetas de bagagem de parede a parede, ossos e tendões vestigiais de uma cidade fantasma. Desliza em um assento vazio uma fileira atrás de Seonghwa, fazendo com que o frio seja pressionado através de suas calças. Espera, olhando fixamente para a parte de trás de sua cabeça. Tudo o que o álcool deixou em seu rastro era uma sombra tensa e pegajosa impossível de abalar.

Depois de um tempo, Seonghwa diz:

- Estou com fome.

- Com fome, hm. - Hongjoong ecoa, ainda não conseguindo pensar claramente. Sua voz sai anasalada, provavelmente por ter adormecido no táxi.

- Estou morrendo de fome, de verdade - exclama. As palavras trovejam pelos corredores, passam pelos trilhos do trem e voltam, transformando-se em múltiplos que desaparecem. Hongjoong separa todas as sílabas, corta as que fazem sentido dos duplos sem fim, vira-as do avesso e as prova na língua. A exaustão o atinge como uma parede de pedra. Ele faz uma careta.

- Quando foi a última vez que você comeu?

Seonghwa se curva, a cabeça pendendo. 

- Ainda está bravo comigo?

- Não.

- Tem certeza?

Hongjoong inala. O ar viciado afunda em seus pulmões.

- Há um restaurante aberto na rua quatro. Eu pago.

Seonghwa não responde, mas quando se vira, está sorrindo como se estivessem no lugar mais solitário do mundo. Hongjoong pode ouvir sua mochila roçando em suas costas. Por um segundo se imagina estendendo a mão para Seonghwa. Pode sentir as bochechas de Seonghwa em suas palmas. Seonghwa, quente ao toque. Seonghwa, amaldiçoado com toda a ferocidade da juventude, tão cruel e tão genuíno. Seonghwa, Seonghwa, Seonghwa. Isso o assusta.

- Eu esperava que você pelo menos ficasse com raiva - diz ele, levantando-se para encará-lo.

Hongjoong ri, muito áspero.

- Vamos, depressa. O táxi que chamei já deve ter ido embora. - Ele estende a mão.  O braço do mais velho se fecha ao redor de seu cotovelo. Agora, de olhos fechados, só vê ambos parados em margens opostas de um rio, observando indiferentemente a vida passar entre eles. 

Em sua cabeça, Seonghwa ainda é Seonghwa, como sempre será, mas com o tempo Hongjoong irá murchar, enrugar e definhar, talvez no rio, talvez no ar. E o maior nunca saberá, porque Seonghwa nunca envelhece, nunca entenderá esse tipo de morte.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora