Parte VIII

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Em uma mesa lateral na frente de seu apartamento, Hongjoong esvazia os bolsos. Lá está sua carteira, um recibo de café, alguns trocados e, finalmente, a chave do apartamento que não vê há dias. O apartamento está intacto como deixou, uma estranha colagem sintética de pertences que Hongjoong só consegue reconhecer em pedaços, mas não juntas. Ele o estuda da entrada e se vira para o banco.

Chega em uma Mercedes, caminha com Armani nos ombros, contorna a fila sinuosa direto para um escritório particular onde o banqueiro o trata como um velho amigo. O privilégio vem facilmente quando a paixão e a expressão são apenas um escudo fino sobre os negócios, onde a arte só é importante em cartões-de-rosa. Isso é o que decepcionar Seonghwa no último ano da faculdade o recompensou: carros, apartamentos, decorações de paredes caras e sorrisos de estranhos. Valeu a pena, por um tempo.

- O que posso fazer por você hoje? - o banqueiro pergunta.

Hongjoong tira dinheiro suficiente para dar entrada em um condomínio e compra uma passagem de ônibus.

É domingo. Há o motorista na frente e um homem de meia-idade atrás, vestindo uma jaqueta barata gasta. Hongjoong senta perto do meio.

De volta à faculdade, quando Seonghwa havia se mudado do dormitório para um quarto com Hongjoong, eles andavam por esse caminho o tempo todo. Da ponte perto do mercado para a faculdade, ou depois disso, para o karaokê que San usava como desculpa para flertar com garotos. Uma vez, quando pararam pouco antes da faculdade, encontraram o pai de Hongjoong.

- E quem é esse? - perguntou.

Sem pensar, Hongjoong disse.

- Apenas um colega.

Essa foi a primeira vez que Seonghwa se foi. Voltou na manhã seguinte, antes de Hongjoong acordar, mesmo que os fungos constantemente que tentava abafar não fossem eficazes o suficiente. Hongjoong beijou seus dedos gelados e disse que o amava muito, muito, de verdade. Em resposta, Seonghwa disse que não queria mais seguir a grade curricular. Era restritivo. Odiava escrever redações. Odiava os professores.

- Então, o que você prefere fazer?

- Arte de rua. Grafite. Tenho feito isso por muito tempo, Hongjoong, sei que quero isso.

Não deveria, mas Hongjoong riu. Riu porque estava confuso e porque não sabia como se desculpar. Naquela tarde, Seonghwa havia partido novamente. Brigavam muito por telefone. O maior chorava enquanto Hongjoong permanecia quieto e cutucava as palmas das mãos.

A próxima vez que o viu foi em uma lanchonete, às quatro horas da manhã. Então foi como se eles continuassem se encontrando, mas nunca se vendo realmente.

Um mês depois Seonghwa foi expulso. Era o número um da turma, escolhido para bolsas de estudo e propostas de galerias que outros só podiam imaginar. E então, num piscar de olhos, tudo o que restou foi uma mochila surrada cheia de latas de tinta spray quase vazias. Depois que Hongjoong ouviu a notícia, vendeu seu estúdio de escultura e começou a juntar fundos para um negócio. Parou de ver arte como ela é. Parecia o fim de um sonho muito longo.

Não falaram sobre isso. Não falaram nada. Hongjoong não conseguia entender no que eles estavam se transformando e nem tentou. Quando Seonghwa finalmente apareceu em seu apartamento seis meses depois, Hongjoong o deixou entrar como antes fazia, e nada e tudo mudou.

Lá fora, uma névoa começa a nublar a rua. Se Hongjoong fechar os olhos, a chuva soa como areia, como se tivesse sido pego no meio de uma tremenda tempestade no deserto, apenas ele e a areia se acumulando silenciosamente a seus pés, enchendo seus ouvidos, boca e pulmões, envolvendo seus dedos estendidos, frio em todos os lugares que o toca, frio enquanto o engole por inteiro.

Hongjoong inala. Seis anos depois, esta rota de ônibus ainda é a mais solitária do mundo.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora