Parte IV

119 24 10
                                    

- O que foi, está de ressaca?

- Eu não fico bêbado.

Chutando uma pedra, Seonghwa diz após minutos de silêncio.

- Desculpa...eu acho. Sinto muito por ter ido embora.

- Isso não soa como você.

- Sério - protesta - Me desculpa. Eu pensei sobre as coisas. Acho que gostaria que você se casasse.

Hongjoong muda seu peso de uma perna para a outra, desconfortável e pego de surpresa.

- Ah é?

- Sabe, tudo bem se você seguir em frente. Está tudo bem. Você deveria fazê-lo.  Desde que eu ainda tenha aquele lugar no seu sofá daqui a vinte, cinquenta anos. Ou apenas...qualquer sofá seu, qualquer coisa ao seu lado, onde eu possa ver você bebendo xixi de gato no... ah, eu sou péssimo nisso - ele ri, alto demais de novo.

- É - murmura, puxando o fiapo pendurado do lado de seu bolso.

- Mas - Seonghwa reflete - Uma família seria legal, não seria? Acho que todo mundo tem que se acomodar, certo?

- Certo.

- Você é o tipo família de qualquer maneira. Vai mimar seus filhos quando pequenos e mantê-los acordados até as três da manhã com suas broncas quando adolescentes.

- Certo.

Seonghwa inala. Hongjoong exala, olhando para o maior. Ele não consegue ver, mas os dedos de Hongjoong tremem dentro de seus bolsos. Seu peito desmorona com um soluço abafado. De repente, todo o seu mundo está caindo aos pedaços, tijolo por tijolo, átomo por átomo, o céu se desfazendo, o ar gelando, tudo eclipsado logo atrás da projeção da realidade em que Seonghwa habita, estagnado, quieto e sempre imperturbável.

San disse uma vez que uma briga resolveria isso. "Isso é o que casais normais fazem, sabe? Brigam para proteger o que há entre eles. Mas você e Seonghwa não brigam. Tudo o que você faz é sentar e esperar que o tempo cure todas as feridas."

Hongjoong não disse a San que o tempo não cura feridas, e que essa era a única coisa que restava entre os dois. Eles seguiam seus cursos morrendo uma longa, mesquinha e insignificante morte. Pensando bem, deveria ter dito algo. Poderia ter mudado alguma coisa.

No momento em que chegam ao restaurante de macarrão, Seonghwa fica sem coisas para confessar.

- Olá - a garçonete pergunta - Para dois?

Seonghwa acena afirmativamente.

- Eu não vou comer - Hongjoong corrige.

Ela os direciona até o interior onde se  sentam no final. Hongjoong passa o menu para ele e o observa ler. Se pergunta se Seonghwa percebe ter traçado um futuro onde não faz parte dele.

- Ei - o outro diz, engolindo apressadamente um bocado de sopa - Sabe aquele local perto da estação de trem abandonada no lado norte? Nós fomos dois meses antes da sua formatura e pintamos um emaranhado gigante de flores em um lado da parede...lembra disso? Chamamos ela de nossa magnum opus, lembra? O encontrei por acaso alguns dias atrás, então deixei algo para você lá. Sei que realmente não te dei muito, mas - Seonghwa diz rápido e alto, como se estivesse lutando contra o vazio entre eles - deveria ir ver quando tiver tempo. Acho que vai gostar...

- Seonghwa. - Hongjoong diz baixinho. Olha sem pensar para suas mãos, para as feias linhas do destino que as dividem em pedaços. E as vira para baixo. - Seonghwa, já chega. Pode parar.

Ele de fato para. O silêncio treme ao seu redor.

- Essa é a última vez, você entendeu? Eu— - Hongjoong mantém sua voz baixa. Está completamente entorpecido, mal se ouvindo sobre o enorme ruído em sua cabeça. - Sou sempre eu esperando por você. - seus ouvidos estão zumbindo, está exausto, os pulmões colapsando sobre si mesmos - Eu...Seonghwa, escuta...

- Joong...des- desculpa - A voz de Seonghwa estala. Reconecta em um tom diferente. - Me desculpa - repete, mais claramente. 

Provavelmente é a única coisa que sabe dizer, e Hongjoong não pode culpá-lo. Em tempos como este, Seonghwa é como uma criança de cinco anos. Desculpa é a única coisa que ele sabe. Desculpa, medo e rejeição.

Só que em algum momento, desculpa não é mais suficiente.

- Entendo. Eu entendo que você está arrependido. Mas se eu tiver filhos, acho que não vou querer que eles conheçam você. Entende? Não é sobre o quanto você está arrependido...desculpa não conserta as coisas. Esse é o fim. Eu pensei sobre isso quando você se foi. O tempo todo pensei no que posso fazer por nós, o que podemos fazer por nós. E percebi que não podemos fazer nada.

- Isso não é verdade, Joong, não é verdade e você—

- Eu posso te devolver aquele sofá. Se quiser, posso mandar entregar. - Hongjoong diz. Tudo se encaixa. Ele limpa a bagunça em sua cabeça e categoriza o que precisa dizer, quer dizer e deveria dizer. - Termine seu macarrão. Não desperdice comida.

Lentamente Seonghwa pega seus hashis novamente. Está quieto agora. Hongjoong não lhe olha, mas pode vê-lo alinhando cuidadosamente as pontas contra a palma da mão e depois mergulhando-as na tigela. Continua comendo no mesmo ritmo, só que não fala mais.

- E me desculpe também - Hongjoong diz, finalmente.

- Joong. - responde, a voz trêmula e pequena, mas o semblante tentando passar normalidade. - Esse macarrão é tão salgado, nossa!

Hongjoong desliza para fora de seu assento. Põe na mesa mais do que o suficiente para cobrir a gorjeta e duas garrafas de licor, e deixa Seonghwa agora de frente para o vazio. Cada passo à frente é como uma queda em direção ao centro da terra, um tombo fora de seu eixo. Sua boca está seca e sua cabeça totalmente em branco. Quando os invernos ficaram tão frios?

Olhando para trás, vê uma imagem borrada das costas curvadas do menino através do vidro, como uma memória desconexa, algo que nunca foi capaz de tocar apesar de todos os anos entre eles.

Então, Hongjoong pensa, é assim que acaba.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora