Parte V

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Aqui está o sonho que Hongjoong teve na noite em que encontrou Seonghwa na estação de trem.

Estava sentado à beira de um grande precipício, Seonghwa ao seu lado. Foram até lá para pintar o penhasco, capturarando suas curvas em pinceladas precisas. Uma brisa veio, levantando areia e poeira. O cascalho se acumulou sobre a tela de Seonghwa e, quando a brisa voltou, levou com ela todas suas cores junto. A tinta havia se emulsionado com a areia em um arco-íris mais fino.

Observaram o arco-íris estalar e flutuar ao vento. Enquanto Hongjoong ficou sem fôlego com a visão, o suor enchendo sua camisa e o terror como um fino verniz de vidro sobre seus pulmões, Seonghwa estendeu a mão facilmente para pegar o arco-íris. Este permaneceu transitoriamente em suas mãos antes de flutuar para longe.

- Não vá atrás.

Hongjoong avisou

- Não se mova.

Seonghwa não ouviu. 

Seguiu o amontoado de cores distraidamente em direção ao penhasco, onde pedaços de terra e pedra desmoronavam em advertência conforme avançava. Mais uma vez, Hongjoong chamou sua atenção. O agarrou  pelo pulso e o puxou para trás. A pele de Seonghwa parecia dura e Hongjoong começava a se perguntar por que quando de repente um estrondo veio das profundezas da terra. Um abismo se abriu abaixo dos pés de Seonghwa.

Sua queda ocorreu em câmera lenta: seu braço ficou tenso, o cabelo grudado no rosto enquanto se virava, os olhos se arregalando assim que desapareceram atrás do penhasco e—

Tudo o que restou de Seonghwa foi um peso morto preso ao pulso de Hongjoong, arrastando-o cada vez mais perto dos dentes do abismo.

- Não me deixe cair. - Seonghwa implorou.

Hongjoong tentou o puxar para cima, e como tentou, com os dentes cerrados e a sujeira pressionando seu estômago exposto.Tentou tanto que sentiu sua alma rasgar, mas não foi o suficiente.  Seonghwa escorregou. Mesmo quando Hongjoong foi puxado quase até o meio do penhasco, a cabeça balançando no ar, ele continuou caindo.

A única coisa que entendeu foi o suor esfriando em suas costas, a areia entupindo seus ouvidos, os apelos de Seonghwa arrastados em um lamento abafado perfurando como facas em suas entranhas. Hongjoong estava com medo.  Estava com medo do penhasco, daquela boca escura como breu no desconhecido, então quando Seonghwa o arrastou quase quase até a borda, ele o soltou.

Soltou Seonghwa, mas não foi Seonghwa quem caiu. Foi ele.

Hongjoong caiu com o pavor queimando a seus pés, frio e sem peso, rastejando por suas pernas, ao redor de seu torso, até que o engoliu. Surdo, mudo, exceto pelo pensamento de que, o tempo todo, era ele quem sempre esteve pendurado sobre o abismo. Caindo e caindo. Mesmo quando atingiu o fundo do poço e abriu os olhos estáticos após um suspiro agudo de consciência, não parecia realmente ter acordado.

No táxi, o frio do inverno se estendia.  Exalou, com os olhos arregalados. Queria tocar as lágrimas em seu rosto. Mas seu relógio era pesado e seu terno rígido, e na verdade, sequer haviam lágrimas em seu rosto. Não tinha chorado. Não conseguia. Provavelmente, depois de passar tantos anos caindo no abismo metafísico, ele tenha esquecido como chorar.

Quando pararam em frente à estação de trem, Hongjoong olhou através da noite. Viu novamente aquela imagem da tinta desmoronando e saindo da tela de Seonghwa. Isso o cegou, deixando um hematoma fantasma em seu pulso que cobriu cuidadosamente com seu novo Rolex.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora