Parte IV

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Quando retorna, Seonghwa se foi como se nunca tivesse estado naquela casa. Sua mochila não está à vista, o prato que Hongjoong havia posto na mesa foi lavado e colocado de volta no escorredor. Apenas uma mancha de tinta permanece na borda da parede.

Pega seu telefone querendo ligar para ele, talvez perguntar sobre aquela mancha ou oferecer uma explicação sobre o que aconteceu mais cedo mesmo ainda não tendo uma. Ele disca. Para no meio. Os números sobressaltam da tela para encará-lo de forma acusadora.

Pressiona o botão de deletar, enfia o celular de volta no bolso e bebe direto da garrafa de uísque.

Naquela noite dorme no lugar de Seonghwa no sofá, onde consegue ver a marca na parede. É um tom quente de laranja-abóbora, a cor daquela flor que marcaram na parede da estação de trem quando começaram a namorar. Hongjoong ri, relembrando como Seonghwa costumava se auto proclamar artista renegado de boa-fé. Cada vez que falava sobre grafite seus olhos brilhavam, mesmo que fosse no fundo da sala do diretor da faculdade com uma carta de expulsão nas mãos.

A primeira vez que Hongjoong tentou entender aquela paixão, era quase meia-noite de uma terça-feira. Seonghwa não conseguia explicar, não em palavras, mas lhe deu uma tinta spray e pediu que sacudisse.

- Eu não quero ser preso - Hongjoong protestou, se contorcendo.

- Você não vai ser preso - retrucou com um grande sorriso nos lábios.

- Nem posso. Vou me formar em dois meses.

- Mais uma razão para tentar. Não é isso que significa ser um artista? Todo aquele discurso sobre desafiar o sistema? Expressar seus demônios? - encorajou, e de alguma forma Hongjoong acabou acompanhando. A princípio, segurou o bico muito perto da parede e a cor saiu em uma confusão sangrenta na parede, o que significou Seonghwa fazendo um resgate de última hora usando os dedos para traçar trepadeiras e pétalas da tinta.

Hongjoong não consegue mais se lembrar exatamente que tipo de flores floresceram nas mãos de Seonghwa. Em vez disso, lembra de sua palma quente contra sua mão enquanto ele o guiava sobre a parede. A tinta era pegajosa sob seus dedos, a parede gasta e o silêncio ao redor suave, morno, elementar do jeito que o mundo sempre foi.

Ao longe, do lado de fora da janela, um semáforo laranja acende e apaga, repetindo esse mesmo ciclo várias e várias vezes. Toma outro gole de uísque. Tem gosto daquele tremor silencioso no sorriso de Seonghwa quando Hongjoong virou as costas para ele.

A memória é uma coisa estranha. Toda vez que você olha para o túnel vê o que quer ver, magnífico e ampliado, e às vezes aquela coisa do outro lado olha de volta para você.

E lhe diz que não precisava ser assim.

𝐀𝐁𝐘𝐒𝐒 | seongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora