Capítulo 4

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O operador de campo Gafoor Ghazari nasceu em 1960, na aldeia drusa de Mas'ad, ao norte das Colinas de Golã. Era o mais jovem dentre suas outras três irmãs. O pai e a mãe trabalhavam na agricultura de subsistência numa gleba de terra. Aos domingos, o casal frequentava o culto religioso druso. Indagado, Ghazari negou problemas de violência doméstica, doenças graves ou qualquer tipo de distopia e definiu sua infância como "aceitável". Sua principal distração era vagar pelas redondezas da gleba, em geral sozinho. Informou ter boas lembranças deste período. Aos sete anos de idade, acossada pelas descargas de artilharia no último dia da Guerra dos Seis Dias, sua família decidiu procurar abrigo junto às tropas sírias, já em retirada. No caminho, todos os demais membros morreram ao pisarem em minas antipessoais. Aterrorizado e alertado pela mãe agonizante, correu em sentido oposto noite adentro, conforme lembra, até avistar sua aldeia, ao longe.

Saciou a fome precariamente em algumas casas abandonadas às pressas, onde passou a se esconder dos que haviam plantado aquelas bombas. Em poucos dias, criou coragem e decidiu retornar ao local onde havia visto sua família com vida pela última vez. Não havia mais vestígios dela. Em desespero, correu até um descampado arenoso e enterrou-se o quanto pôde, temendo ser descoberto pelos soldados. Segundo sua própria narrativa, esperaria ali pelo seu fim.

A comunidade drusa do Golã, cerca de 6 mil pessoas, foi das poucas a preferir não se retirar com as tropas sírias com ao fim da luta. Os corpos da família Ghazari haviam sido encontrados por aldeões dois dias após o incidente e foram sepultados, mas o membro mais jovem da família não se encontrava entre os cadáveres. Comunicaram o fato ao comandante da guarnição da força de ocupação do exército israelense na área, o qual veio constatar os óbitos muito cedo naquela manhã. Logo formou-se um grupo de pessoas para procurar o menino desaparecido. Ari Garber, tenente da 8a Brigada Blindada, nascido e criado no deserto do Negev, com a cabeça vermelha pelo sol e o calor daquele verão, requisitou dois drusos para servirem como guias. Revistaram todas as casas e galpões da aldeia de Mas'ad num raio de dois quilômetros. Ao meio-dia, sem nada encontrar, decidiram ampliar a busca. Caso não tivessem sorte, o desaparecimento poderia ser atribuído ao resgate do menino pelo exército sírio. "E será o fim desta busca. Não temos mais tempo. É a guerra...", sentenciou em silêncio. Antes do entardecer, um ancião druso veio comunicar ao grupo que encontrara uma trouxa de roupas infantis, não muito longe dali. Ela estava no caminho de uma elevação do terreno, coberta de areia. Todos se entreolharam. O oficial tomou de um uma vareta e pôs-se a sondar o solo macio. Era improvável que o menino fugitivo estivesse nas imediações; afinal, não havia pegadas. Com o calor que fazia, já deveria ter perecido por desidratação ou fome. Ele seguiu sondando o terreno até quase o topo da colina. Foi quando tocou em algo semienterrado, que estremeceu e se ergueu parcialmente. Gafoor Ghazari, o corpo tostado e coberto de areia dos pés à cabeça, lembrando uma camuflagem, foi erguido pelo braço forte do tenente a cerca de meio metro de altura, enquanto esperneava para se soltar.

- Seu arabezinho fujão! Pare quieto! - esbravejou Ari Garber antes de levantar o menino como se fosse um troféu. - Vejam, parece um khatool holot! (3)

Familiarizado desde a infância com a fauna do deserto, Garber não poderia imaginar que havia criado um codinome perfeito para o futuro militar das FDI e operador do Serviço Secreto de Israel. Um caçador solitário de pequeno porte, de hábitos noturnos, o Gato da Areia é completamente adaptado ao meio: tem o pelo na cor do solo e obtém a água necessária através do sangue de suas presas, evitando se expor aos seus próprios predadores. Passa o dia protegido do sol em tocas, mas caso precise se locomover, suas patas contam com um estofo adicional de pelos que servem não somente para isolá-las das altas temperaturas do piso escaldante, mas também para disfarçar seus rastros e despistar eventuais perseguidores. À noite, caso seja surpreendido por um facho de luz de algum caçador, costuma semicerrar as pálpebras para que o reflexo em seus olhos de felino não revele a sua posição. Este animal encontra-se em extinção. No Oriente Médio, Israel é um dos territórios onde ele ainda pode, raramente, ser encontrado.

O Gato do DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora