Capítulo 3

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Tel Aviv, 24 de novembro de 2006.

Aquelas últimas semanas de novembro haviam sido particularmente intensas para ele: Saddam Hussein e seus correligionários diretos, já encarcerados, haviam sido sentenciados à morte pelo massacre de 148 civis muçulmanos Shi'ars no Iraque em 1982; um milhão de libaneses estavam se mobilizando para um comício de oposição ao governo do Líbano em dezembro e, para culminar, o governo iraniano organizava a "Conferência Internacional para Revisar a Visão Global do Holocausto" nos próximos dias. Eitan Holtz acompanhava os fatos com interesse, o que significava um turbilhão de informações, perguntas e hipóteses na sua cabeça. Mas, aquele era o final da tarde de uma friorenta sexta-feira. "Embora sensíveis e demandantes, esses acontecimentos não se encontram em nível crítico, no momento", pensou. Residindo num apartamento com vista para a praia Gordon, em Tel Aviv, o espião-mestre de Israel relaxou na espreguiçadeira, enquanto observava os veleiros na marina lá embaixo e tilintava seu copo de Ballantines . Depois de dar um merecido e profundo suspiro, concluiu: "Dias tensos, mas estamos dando conta. Posso me dar ao luxo de aguardar até segunda-feira. Portanto, vamos ao fim de semana. Passear com os netos, dar comida aos macacos...Enfim, ser um marido, pai e avô normal."

Nem bem havia degustado a segunda dose, quando uma mensagem vibrou no celular. "Alguém deseja levar-lhe de presente uma caixa de babkas". Era um texto de sua secretária. Os babkas  significavam a necessidade de uma reunião urgente para aquela noite... Ele emitiu uma resposta para ela: "Que surpresa! Eu comeria 20, se pudesse. Diga-lhe que será bem-vinda". Enquanto despejava o conteúdo do copo no lavabo e guardava a garrafa, pensou: "O que traria Shapiro a esta hora aqui em casa"?

Pontualmente às 20 horas, Elah Shapiro, diretora do Departamento de Coleta, popularmente chamado de Tzomet, o maior do Mossad, adentrou a um pequeno gabinete do apartamento de Holtz portando uma caixa e uma valise.

- Desculpe incomodá-lo, Eitan. Para ser autêntica, trouxe esta caixa de babkas, mas as darei a Sara, considerando o seu diabetes.

- Bobagem. Vocês me subestimam. Mas Sara vai gostar, obrigado. O que tem para mim nessa valise, Elah?

- Gostaria de atualizá-lo sobre a vigilância daquele oficial sírio, Irfan Oshmani. Surgiram novidades.

- O "cabeça" da Comissão de Energia Atômica da Síria? Como está o caso?

- Há poucos minutos, soubemos que ele marcou reunião em Londres para daqui a quatro semanas. Vai se encontrar com emissários estrangeiros, potencialmente norte-coreanos...

Holtz soltou um assobio silencioso e profundo. Desde os anos 90 ele acompanhava a intenção da Síria de adquirir reatores nucleares - alegadamente para fins de pesquisa - em mercados ocidentais, mas houve forte oposição do governo dos Estados Unidos. Há cinco anos circulavam rumores, não somente no Mossad, mas também na AMAN, acrônimo de Agaf HaModiinem em hebraico, o Órgão de Inteligência Militar de Israel, dando conta que o programa nuclear sírio se encontrava estacionado no estágio de planejamento. Esta conclusão havia sido confirmada, inclusive, por outras agências aliadas de Inteligência, a pedido do Mossad, embora dúvidas sobre a real capacidade nuclear da Síria, no momento, ainda pairassem no ar. Um possível programa de transferência de tecnologia militar entre a Coréia do Norte e a Síria tornara-se provável em 2004, no episódio do desastre ferroviário de Ryongchon. De acordo com uma agência de Inteligência europeia, um trem norte-coreano em trânsito para o porto de Namp'o havia sofrido forte explosão, muito provavelmente, não-nuclear. A apuração do Mossad revelou que dúzias de técnicos sírios especializados em energia nuclear viajavam a bordo e faleceram. Havia rumores que eles haviam adquirido material físsil e o poderiam estar transportando. Desde a explosão em Namp'o, os israelenses passaram a monitorar viagens de oficiais militares sírios para Pyongyang, onde eles, supostamente, poderiam estar tentando obter novas remessas. Até o momento, ainda restavam mais dúvidas do que certezas sobre as causas do acidente ferroviário na Coréia do Norte e os propósitos da relação entre os dois países. Portanto, sofrendo um embargo ocidental e sem os fundos necessários, era improvável que o programa nuclear sírio já tivesse ultrapassado o atual estágio de planejamento - a não ser que fatos novos tivessem surgido.

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