Capítulo 1

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Colinas do Golã, 10 de junho de 1967.

      A Guerra dos Seis Dias estava para terminar, mas o suplício de Abdar Ghazari e de sua família, apenas começando. O pequeno grupo de camponeses esgueirava-se pelas ravinas arenosas na periferia da aldeia drusa de Mas'ad, ao norte das Colinas de Golã, na Síria, tentando evitar os caminhos mais abertos. Eram pai, mãe e quatro crianças. A região estava sendo invadida pelo exército israelense há dois dias e as lideranças da comunidade alertavam que não era mais seguro para os moradores permanecer em casa. Todos carregavam os mantimentos indispensáveis em trouxas de pano. Com sorte, encontrariam alguma guarnição síria próxima ao lago Ram, a leste, batendo em retirada, e seriam removidos para uma região menos perigosa.

Abdar limpou o suor do rosto. Aquele verão estava anunciando-se particularmente quente. Tentava não olhar para trás. Sentia-se desolado ao pensar que talvez nunca mais voltasse a ver sua aldeia natal e sua pequena lavoura emoldurada por algumas poucas colinas verdes cercadas pelo deserto à distância. Naqueles dias, não precisava do seu velho rádio a válvulas, que mal funcionava, para entender a gravidade da situação. Até um tempo atrás, já estava habituado às décadas de provocações e aos morteiros caindo de lado a lado da fronteira, ocasionalmente. Elas não costumavam durar além de alguma semanas. Agora, tanques e aviões estavam se atacando com ferocidade assombrosa - algo de que não tinha lembrança. Podia escutar explosões e o ruído feroz da artilharia nas cercanias. Enfim, a guerra de verdade havia chegado para ele e sua família. Quanto tempo ainda de marcha, privações, sofrimento e medo até tudo acabar? Sua única esperança era a de ganhar uma nova terra para recomeçar. De preferência, onde houvesse boa água.

Abdar Ghazari não tinha como saber que, dentro de mais algumas horas, a contenda estaria terminada. Se soubesse, aguardaria na ravina com sua família sem dar mais um passo sequer.

Após mais de uma hora de caminhada, avistou o wadi Abu Sa'id, um riacho conhecido por suas águas claras, e resolveu parar seu grupo para descanso. A noite vinha se aproximando, forçando-o a retomar a marcha em poucos minutos. 

Avistou uma pequena ponte de madeira, precariamente disposta sobre o wadi, e organizou a família para a travessia. Chamou a esposa e os três filhos mais velhos, ordenou que o menor aguardasse por ele e, juntos, rumaram ao areal antes da ponte. Ao darem o terceiro passo, ativaram uma sequência de minas antipessoais de fragmentação enterradas na areia. A mãe foi a última a morrer. Segurando o coto da perna amputada, em meio à hemorragia, voltou-se para o filho pequeno à distância, inspirou o ar o mais profundamente que pôde e o exalou, sussurrando até desfalecer:

- Gafoor, Não venha aqui! Não venha aqui!...

O Gato do DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora