Capítulo 23

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O passadiço às margens do Rio Eufrates, embora pouco frequentado, oferece uma experiência inspiradora. Permite contemplar em seus 200 metros o mais longo e um dos mais importantes cursos dágua em todo o Oriente Médio. O Eufrates, nascido na Turquia, perlonga por 2800 quilômetros através da Síria e do Iraque, onde se une ao Rio Tigre e passa se chamar Shatt Al Arab até desaguar no Golfo Pérsico.

Sahoun teve o cuidado de convidá-la a caminhar num recanto pouco frequentado da orla. Taticamente, não seria conveniente serem vistos juntos com muita frequência.

- Cada vez que venho aqui, fico maravilhada. Sou insignificante frente à imensidão deste rio. Ele me emociona pelo que representa para toda a região e o país.

- Esta é a primeira vez em que o contemplo pessoalmente. Nasci longe daqui, a oeste, onde sempre trabalhei e vivi. É uma sorte eu estar acompanhado da pessoa certa para assistir a este espetáculo – ele respondeu.

Aisha voltou a cabeça para o rio, embaraçada pela franqueza do seu acompanhante. Não estava mais acostumada. Mudou o assunto.

- O inexplicável é que o curso d'água está morrendo de sede. Barragens em cada país que atravessa, secas prolongadas, drenagens para irrigação de lavouras...O rio está encolhendo lentamente. É triste, mas está com quase metade do volume que já teve!

- Desculpe, Aisha. Sou um simples trabalhador braçal. Não sabia de nada disso.

Ela sorriu, acolhedora:

- Absolutamente, meu caro. Quase não tenho amigos nesse lugar para conversar. Gosto de ouvir sua voz. Você não fala muito. É pena. Fale-me de você. Por que veio para cá. Onde está a sua família? Tem filhos, esposa?

- Nasci numa família pobre. Meu pai era lavrador na zona rural de Aleppo. Mal pôde oferecer educação para os filhos. Morreu nos anos 70. Minha mãe se foi logo depois. Na adolescência, arrumei ocupação e estudei à noite por um certo tempo. Desde então, trabalho com as mãos para me sustentar. Tive esposa, mas as guerras a levaram. Não tivemos filhos. Sou um nômade. Ganhei um dinheiro em Aleppo, mas a cidade passou a sofrer violência de toda a ordem – mentiu, prosseguindo na falsa biografia.- Resolvi mudar para um lugar mais calmo. E você, Aisha?

- Conheci meu marido na universidade, em Damasco. Era biólogo, assim como eu. Fizemos pós-graduação. Casamos, tivemos nossa filha, e a vida parecia boa. Mas, então, sobreveio mais um confronto armado. Ele foi convocado a lutar e terminou sendo levado de nós para sempre. Faz cinco anos. Tão jovem...Também decidimos mudar. Aceitei uma oferta de trabalho aqui em busca de paz.

- E está feliz? Encontrou o que buscava? É um bom emprego?

- Não me queixo. Desculpe, não posso falar muito a respeito. É um projeto do governo. Vai gerar benefícios para a nação.

O passeio estendeu-se por mais duas horas. Quando Sahoun levou-a para casa, ela se despediu com uma ponta de tristeza:

- Obrigada pela sua companhia. Pena que acabou. O passeio me fez muito bem. Adorei.

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Tel Aviv, meados de junho de 2007.

Era um fim de tarde abafado. Todos estavam em mangas de camisa na sala de reuniões anexa à residência do primeiro-ministro. Em sua reunião semanal de atualização, o Comitê discutia a conveniência de tentar esgotar a diplomacia antes de partir para um plano militar. Muitos dos presentes inquiriam se já havia algum movimento diplomático por parte do Ocidente, uma vez que atitudes mais drásticas pareciam, na ocasião, encontrar-se oficialmente ainda na gaveta. Há poucos dias, houvera um segundo encontro entre os chefes de governo de Israel e dos Estados Unidos.

O Gato do DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora