Capítulo 27

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O Cabo Crishan Anem tinha 19 anos. Fora incorporado há 18 meses no exército e estava satisfeito com o seu primeiro emprego formal. Era o filho mais jovem de uma família de lavradores ao norte do país e todos estavam orgulhosos por terem lhe proporcionado a chance de concluir o ensino médio. Até então, vivera ajudando os pais na lavoura de subsistência. Muitas vezes, na falta de um boi, ele mesmo era obrigado a puxar o arado, o que lhe conferiu um físico musculoso para o corpanzil de um metro e noventa.

Poderia chegar ao posto de sargento em poucos anos e ter uma vida menos dura. Mesmo assim, sentia falta de casa. Mas, naquela noite, ele também estava contrariado. Haviam cassado sua folga no quartel sob a alegação que deveria entrar em prontidão. Logo o incumbiram de realizar uma patrulha extra. Sua namorada em Deir ez-Zor não entenderia. Tinham combinado um cinema, mas o encontro teria de ser transferido para a noite seguinte. Ele também esperava que ela acreditasse na sua desculpa.

Com saudade da comida da mãe e do carinho da namorada, ele trafegava com seu jipe pela estrada poeirenta que conduzia a Al-Kibar. Deveria vigiar toda e qualquer atitude suspeita pelo caminho e abordar, se necessário. Ao chegar em Al-Kibar, deveria rondar o estabelecimento, retornar para a entrada da cidade e refazer o ciclo até outra determinação. Havia um fugitivo perigoso, um espião sionista, possivelmente rondando aquelas bandas e a própria Instalação. Ele deveria ser detido a qualquer preço. Eram as ordens.

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As horas custaram a passar para Aisha e Laila naquela noite de segunda-feira. Às 22 horas e 45 minutos, o céu continuava sem estrelas. Angustiada, Aisha não se conteve e decidiu partir. Iria devagar, controlando o tempo para chegar ao ponto combinado exatamente no horário. Ela e Lila não tinham fome. A tensão causada pelo momento da mudança radical no rumo de suas vidas impedia pensar em outra coisa que não fosse tudo aquilo acabar o mais rápido possível.

O movimento fora do comum na rodovia costumeiramente pouco frequentada persistia, embora sem causar maiores transtornos. Ao se aproximarem da grande rocha à beira do acostamento, Aisha imaginou que sua ansiedade chegara ao limite. Estacionou o Citroën no acostamento e aguardou.

Sobre a sua duna, Sahoun a observou com alívio. Enviou sua última comunicação pelo laser e imediatamente desmontou a antena e enterrou qualquer vestígio da sua permanência no local. Estavam perfeitamente dentro do intervalo de tempo. Em seguida, e com muita cautela, esgueirou-se pela areia em direção à estrada.

Crishan Anem retornava de Al-Kibar no sentido oposto e deparou com um veículo civil parado à margem da estrada à sua esquerda. Havia duas mulheres a bordo. Cumprindo suas ordens, deteve seu jipe e desceu para abordá-las. Pendurada na cintura, sua Makarov PM balançava ao caminhar.

- Boa noite, senhora. Algum problema? Precisam de ajuda?

- Boa...boa noite, senhor. Não se preocupe. Estava dando atenção à minha filha, que vomitou há pouco. Ela está indisposta. Logo deverá melhorar.

Crishan Anem balançou a cabeça, entendendo. Com a lanterna, examinou as condutoras e o banco traseiro, onde encontrou o alforje.

- Estão indo para algum lugar? - indagou.

- Sim. Estou levando minha filha ao posto de saúde em Al-Kibar, onde trabalho. Ela não melhorou após a consulta médica em Deir ez-Zor hoje cedo. Comuniquei ao chefe do meu setor à tarde que eu não poderia trabalhar nesta noite. Estou preocupada. Não desejo passar a noite com ela ardendo em febre.

Anem compadeceu-se. Lembrava de sua própria mãe aflita quando ele ou um de seus quatro irmãos adoecia. Mas o tenente fora bem claro quando o convocou: verificar todas as informações de pessoas em atitude não usual. E um veículo parado na estrada àquela hora da noite era estranho, embora plausível.

O Gato do DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora