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📄NOAH URREA

Nos raros momentos em que ficava sóbrio geralmente era por causa de uma ressaca forte. Naquela manhã estava sendo desse jeito. Minha cabeça doía e eu vomitei diversas vezes depois do banho frio que tomei. Meu café da manhã se resumiu a uma vitamina de banana na tentativa de acalmar o meu estômago. Algum tempo depois, apenas com uma leve dor de cabeça, eu fui até a cozinha e peguei uma cerveja na geladeira. Antes de abrir, lembrei-me do que Any disse sobre a melhor forma de curar uma ressaca. Ela foi legal comigo e pareceu ter ficado preocupada com eu pensar em beber novamente. Porém, como eu disse, era fácil falar.

Abri a garrafa e comecei a beber. Olhei em volta notando que o meu apartamento estava uma bagunça. Eu não varri o chão uma única vez desde que me mudei e a pilha de louça na pia estava atingindo níveis alarmantes. Eu não via razões para limpar e de certo modo a desorganização dentro da minha cabeça estava sendo espelhada no ambiente ao meu redor.

Peguei o meu celular e abri as redes sociais. Vi que a Emma havia publicado alguma coisa depois de meses mantendo a sua conta inativa. Curioso, eu resolvi abrir o seu perfil e conferir. Era uma foto de uma paisagem muito bonita tirada de uma varanda do que parecia ser uma pousada ou hotel. Sua mão era vista sobre a mureta. Na legenda ela escreveu algo sobre estar tentando se reconectar consigo mesma. Era bom que ela tenha arranjado um jeito saudável de lidar com a dor e isso deveria me deixar feliz, mas eu fiquei com ciúmes. Tive ciúmes do modo como ela estava tentando seguir em frente sem mim. Enquanto ela procurava a melhor maneira, eu me afundava na pior versão que eu podia ser de mim mesmo.

Entornei aquela cerveja em goles rápidos até ela secar e deixei o meu celular de lado. Peguei outra garrafa na geladeira e a abri. Pensei em sair e comprar algo mais forte, mas então comecei a ouvir um cantarolar vindo da varanda, o mesmo do dia anterior. Era a Any. Fui até lá e a observei sem que ela me visse. Como imaginei, estava desenhando alguma coisa e eu quis muito descobrir o que era. Saí para fora e – diferente de como foi antes – ela olhou para mim no mesmo momento.

— Oi. — cumprimentou-me.

— Oi, Ana. — brinquei.

Ela riu baixinho e negou com a cabeça. O sorriso dela se desfez quando ela olhou para a cerveja em minha mão.

— Sabe, Any, na verdade a melhor forma de curar uma ressaca é criando uma resistência ao álcool. — falei. — Ou seja, eu tenho que beber mais.

— Se você diz. — deu de ombros.

— Qual é o desenho de hoje?

Any olhou para o caderno e hesitou segurando-o com mais força, pude notar.

— Você não precisa ficar insegura, eu disse ontem e repito: você é incrivelmente talentosa. Eu tenho certeza que até um simples círculo desenhado por você vira uma obra prima.

Vi ela ficar vermelha e conter um pouco do sorriso. Ainda com timidez, ela virou o desenho para que eu visse. Era um pássaro e como eu achei que fosse, estava perfeito apesar de incompleto.

— Ele pousou no parapeito, mas já foi embora. — ela disse. — Estou tentando desenhar o que me lembro.

— Há quanto tempo você desenha?

— Quer mesmo saber ou só está sendo educado?

— Eu quero saber. — puxei uma das cadeiras da varanda e sentei. — Conte-me sobre a sua vida artística.

Any arqueou as sobrancelhas como se estivesse surpresa com o meu interesse. Um segundo depois sua face estava tomada por um brilho e uma animação genuína para algo que deveria ser tão simples como falar de si mesma.

Save Me ⁿᵒᵃⁿʸOnde histórias criam vida. Descubra agora