Hoje a Argentina iria partir para Turim. Havia uma certa agitação nervosa na comitiva por causa dos últimos preparativos, que incluíam fazer uma pequena mala com alguma roupa e artigos de higiene indispensáveis, uma obrigação que todos os jogadores cumpriam com muita resistência, porque consideravam-na como um sinal de azar. Mas era inevitável, ou não iriam lavar os dentes e mudar de roupa interior durante dois dias.
Eu não me deixava afetar pelos rituais supersticiosos que permeavam os argentinos, desde os dirigentes da federação, ao homem que cuidava das chuteiras, passando pelo diretor técnico e pelo capitão. Por vezes achava-os excessivos e deslocados, a minha veia cética tinha a tendência para, em privado, desdenhar de tanta crendice ridícula, mas quando ouvi dizer que Bilardo estava a convocar uma mão cheia de jogadores para se voluntariarem para cortar o cabelo naquela manhã, como parte do procedimento que ajudaria a manter a boa sorte, resolvi marcar presença no pequeno grupo que não se importava de levar uma tesourada.
O Pedro Cristóbal agarrou-me num braço e puxou-me de lado, admirado por me encontrar naquele lugar.
– O que fazes aqui?
– Quero cortar o cabelo também.
– Eh... tu és uma rapariga. A pessoa que vai cortar o cabelo não é nenhum cabeleireiro de senhoras, é mais um barbeiro. Nem sequer é um barbeiro profissional, é um dos roupeiros. Ajeita-se com a tesoura e com a máquina, já fez uns cortes à malta antes do início do campeonato e agora é chamado para repetir a tarefa para se manter uma certa... como direi, tradição. Ele só corta cabelo, não sabe usar a tesoura para fazer aqueles jeitos...
– Tudo bem. Podem cortar-me o cabelo como se fosse a um rapaz – concordei.
– Tens a certeza? Poderás ficar com um ar mais...
– Masculino? É essa a ideia! E acabo por também fazer parte desta cerimónia da sorte.
– Tens mesmo a certeza? – insistiu.
– Sim, tenho – reforcei, inamovível. – Está muito calor e com o cabelo mais curto deixo de suar tanto.
Cristóbal soltou-me o braço e encolheu os ombros. Burruchaga chegava, entretanto, e fez-me as mesmas perguntas. Cruzei os braços e sentenciei:
– Jorge, o cabelo é meu e faço com ele o que bem entender. Se quiser rapar a cabeça também o posso fazer. Ou não posso?
– Ei, Tina. Só não quero que comeces a chorar porque te arrependeste.
– Não choro por causa de cabelo que volta a crescer. Choro por outros motivos.
– Que motivos?
– Se a Argentina perder...
Num repente, tapou-me a boca, assustado.
– Chiu! Caladinha! Hoje e amanhã não podes dizer essas coisas. Por favor! Pensa apenas em resultados positivos. Só em resultados positivos!
Assenti com a cabeça e jurei-lhe, beijando os dedos para selar a promessa, de que iria afastar de mim qualquer pensamento pessimista, derrotista e proibido.
Foram nove os que responderam ao apelo misto de ordem de Bilardo para cortar o cabelo, comigo incluída. Quando me sentei na cadeira, em frente a um espelho enorme no que era a parte comum dos lavabos, o homem hesitou com o pente e a tesoura. Pedi-lhe que me aparasse as pontas e que avançasse sem medo. Mostrei-me espirituosa, concluindo que desejava experimentar os seus dotes de cabeleireiro, que ele me tinha sido altamente recomendado por artistas de cinema e princesas europeias. Ele percebeu que eu estava a exagerar para deixá-lo à vontade, que eu estava absolutamente determinada e que não me levantaria daquela cadeira antes que me cortasse o cabelo. Sem dizer uma única palavra suspirou, entre a indiferença e o enfado. Sacudiu os braços e começou. Primeiro borrifou-me o cabelo para o humedecer. Depois, foi capturando pequenas madeixas com o pente, cujas pontas cortava com tesouradas breves. Não se demorou muito tempo porque no início de junho eu tinha feito um corte prático com o intuito de não me atrapalhar com um cabelo que fosse difícil de cuidar, e os minutos naquela cadeira foram para aparadelas mínimas. Creio que o homem também não me quis fazer uma grande revolução no cabelo para que não o acusasse posteriormente de um crime capilar.
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O Outro Lado do Verão
Ficción históricaUma nova viagem, agora a Itália. Um novo campeonato do mundo de futebol. Um novo caderno e um novo diário. O ano é 1990. Desta vez estou sozinha, sem a companhia da minha tia, mas continuo com a desculpa do estudo da História para me manter focada e...