Epílogo

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Não, a resposta é não: não se pode recuperar um sonho.

Quando se volta a fechar os olhos não continua o que se estava a sonhar antes. À primeira vista, logo que colocamos o pé nesse umbral, parece que sim, parece que conseguimos a magia de reativar o nosso cérebro ao ponto de o fazer continuar com a cena onírica exatamente como a tínhamos deixado – à semelhança de um filme que colocámos em pausa no leitor de vídeo.

Isso à primeira vista...

À medida que entramos no sonho, que, para todos os efeitos, é um novo sonho, começamos a descobrir as diferenças. Elas já existiam, elas estiveram sempre lá, mas foram ignoradas para que o faz-de-conta prosseguisse.

Depois do mundial de Itália em 1990, o meu mundo futebolístico das vitórias maravilhosas ficou seriamente abalado. Deixei de acreditar no futebol e, pior do que tudo, deixei de acreditar em Diego Maradona. Foi um choque descobrir que, para além da sua divindade e da sua perfeição, existia um homem que falhava e que sofria. Ele não era um herói imortal, uma criatura fantástica, um pequeno deus. Eu já o tinha visto perder em outras vezes, mas vê-lo desesperado no jogo da final em Roma quebrou a última ilusão que guardava dele e comecei, aos poucos, ainda que no início o tivesse feito subconscientemente, a desmontar o mito.

Por outro lado, debatia-me entre Diego e Maradona. Cheguei a um ponto em que, vendo tudo em retrospetiva, não tinha a certeza de os poder distinguir, porque me parecia absurdo que fossem pessoas diferentes. Diego era Maradona e vice-versa. No entanto, rebobinava os últimos acontecimentos e chegava a uma conclusão alarmante: no México tivera Diego, em Itália tivera Maradona. E os dois, juntos ou separados, eram assustadores.

O campeonato do mundo de futebol em Itália acabou por me marcar muito. Ficou como um trauma, mas também ficou como uma coisa bonita e inesquecível. Itália não foi um novo sonho de verão, foi uma aventura. Uma aventura sob o céu de um verão italiano, como cantava a letra da canção oficial. E para mal dos meus pecados colei a canção a Maradona e a tudo o que ele fez nesse campeonato – as alegrias, as trapaças, os penáltis, as polémicas, as lágrimas e os soluços.

Sempre que oiço essa canção lembro-me que Itália foi o mundial de Diego Maradona, tal como o México também foi o mundial de Diego Maradona. Duas metades contrárias que se unem numa mesma entidade indissociável. Se o México foi a luz, Itália foi a escuridão. Sonho e pesadelo. Ou talvez sonho e sonho mau, para não ser tão radical.

E depois de mais um fim, este fim que me faz doer a garganta e o coração, tenho uma certeza absoluta: não houve, nem nunca mais haverá a história de um jogador de futebol como a de Diego Armando Maradona, que beijou os Céus e se precipitou nos Infernos em dois mundiais seguidos, no curto espaço de quatro anos.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora