16 de Junho de 1990 (Sábado)

21 3 22
                                    


Faltava um quarto para as sete quando entrei na carruagem do comboio e ocupei o lugar designado no meu bilhete. Praticamente não dormi nada nessa noite, aflita e ansiosa com a viagem, com medo de perder as horas e de, por arrasto, perder o meu transporte para Verona. Continuava a gostar muito de dormir e sempre temi que os meus ritmos biológicos me atraiçoassem.

O período apareceu-me nessa manhã, o que me deixou contrariada. Outra condição fisiológica que dispensaria de bom grado. Graças à pílula, a minha menstruação estava mais controlada e não sofria tanto, mas não deixava de ser um incómodo andar com pensos higiénicos atrás e estar atenta para não os deixar ensopar para além do aceitável. Também graças à pílula esses dias especiais, como uma vez ouvira num anúncio da televisão, não duravam mais do que cinco, seis dias, pelo que contava estar livre daquilo a meio da próxima semana.

A viagem de comboio levou cinco horas, mas aproveitei para dormitar e, nos longos períodos em que afugentei definitivamente o sono, distraí-me a ver a paisagem que ia mudando à medida que subíamos para Norte. Cheguei à estação principal de Verona passavam dez minutos do meio-dia. Havia muito movimento à minha volta, turistas e principalmente adeptos de futebol. Vi alguns belgas, mas vi especialmente uruguaios, talvez por serem mais barulhentos e espalhafatosos.

Apanhei um autocarro até ao centro, nunca mais iria escolher o táxi para me deslocar. Por causa do mundial, as carreiras regulares de transporte de passageiros tinham sido reforçadas e havia sempre muitas opções. Almocei num pequeno restaurante e servi-me de um belo prato de risotto, que era o mais barato. A seguir pedi indicações ao dono sobre um lugar para dormir e o homem foi muito simpático. Fiz o registo numa pensão situada numa rua transversal perto do restaurante, muito estreita e com aspeto medieval. O quarto era minúsculo, mas era asseado, e como só precisava de dormir uma noite ali, não me importei.

Segui, depois, para o centro de estágio da Bélgica com o coração aos pulos.

Esforcei-me por vazar a cabeça para não criar expetativas ou criar cenários catastróficos. Muito honestamente, não sabia o que podia encontrar. Naqueles quatro anos, por força das circunstâncias, acabara por me distanciar dos jogadores belgas. Acontecera o mesmo com Jean-Marie ainda que tivéssemos mantido durante dois anos e meio uma relação mais estreita, com visitas regulares a Munique e a Beveren. Contava com alguma reserva da parte deles e um nervosismo inoportuno da minha parte. Também contava com alguma centelha fortuita que pudesse derreter o gelo e que tudo acabasse por correr bem, como eu queria que corresse. Lembrava-me de quando reencontrara Stéphane Demol numa discoteca no Porto, em março, e podia usar esse momento como padrão, porque ele acolhera-me bem e gostara de me rever. Haveria de acontecer semelhante com os seus companheiros que eu continuava a considerar como meus amigos.

O centro de estágio da Bélgica era um complexo turístico servido de equipamentos modernos para a prática desportiva, incluindo dois campos de futebol, verdejante, sofisticado, rico, exclusivo, situado à beira de um lago e de uma floresta. A federação belga continuava a ter bastante dinheiro, avaliei, ligeiramente esmagada pela imponência do sítio. Os autocarros regulares paravam ali para deixar pessoas que trabalhavam no hotel ou turistas – o que não era habitual, quem pernoitava num alojamento daqueles era tudo gente com posses e teriam os seus próprios carros. Por outras palavras, não havia quem visitasse o lugar só para ver a paisagem, embora esta fosse bastante agradável, e o motorista estranhou que eu tivesse carregado no botão para assinalar que queria descer.

Na portaria, pedi para falar com o meu contacto. Tratava-se mesmo de um homem, o senhor Courtois. O porteiro fez um telefonema curto e disse-me que podia entrar. Bastava identificar-me na receção que o senhor Courtois, que já me esperava, iria ter comigo. Enquanto atravessava a cancela e subia o caminho calcetado para peões, que seguia a direito ao lado da estrada alcatroada, agradeci mentalmente a Diego, pois era graças a ele que me tinham dado passagem.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora