13 de Junho de 1990 (Quarta-Feira)

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Saímos para Nápoles às dez horas da manhã, no autocarro oficial da seleção. Diego estava impertinente, mas bem-humorado, porque o tinham obrigado a levantar-se cedo. Viajava nos lugares da frente e mandou-me ir para as cadeiras de trás, que me mantivesse invisível e calada, sempre com o boné posto. Não protestei. Sabia que a minha estadia junto deles tinha um preço e estava disposta a pagá-lo.

Dormitei ao longo das três horas que levou a viagem de Trigoria até à cidade do Sul que eu amava perdidamente. Assim, falhei a entrada em Nápoles e a visão parcial do Vesúvio que se assomava entre os prédios. Fomos para um centro desportivo que estava reservado para servir de alojamento temporário às seleções que vinham jogar no San Paolo, quando os seus locaiss de estágio ficavam noutras localidades. Estávamos já a entrar no parque de estacionamento quando despertei.

A embarcar em Roma ouvia muito falar de Fuorigrotta, o nome do bairro onde se situava o centro, e fiquei entusiasmada por ir conhecer outro lugar de Nápoles. Diego riu-se de mim. Eu já conhecia Fuorigrotta, estivera lá muitas vezes.

– Impossível! – exclamei – Ou haveria de me lembrar!

– Fuorigrotta é onda fica o estádio e o campo de treinos Paradiso, em Soccavo.

Percebi que fizera uma figura triste e amuei. Diego estalou a língua, divertido.

O centro desportivo era rodeado por uma cerca de metal que era literalmente assaltada por uma multidão de adeptos ruidosos, argentinos e napolitanos, que clamavam por Diego. Ele não lhes fez a vontade e não foi ter com eles. Ao desembarcar do autocarro foi bastante furtivo e aproveitou-se da altura de Ruggeri e de Batista para passar despercebido.

Almoçámos na cantina do centro. A tarde iria ser ocupada com a última palestra de Bilardo antes do jogo, sessões de massagens e exercícios leves no ginásio. Fui abandonada, como já esperava. Pedi ajuda a Cristóbal para me manter atualizada sobre os horários, pois não queria ser deixada esquecida por negligência. Ele disse-me para estar descansada, que Diego não iria deixar que isso acontecesse.

Escrevi no meu novo caderno sobre os dias anteriores, sorrindo em alguns momentos por, em cinco dias, já ter uma bonita coleção de momentos. Como se impunha silêncio, recolhimento, concentração e tranquilidade, não pude ver o jogo da tarde que opunha o Uruguai à Espanha, as outras duas seleções do grupo da Bélgica. Acabei por não perder nada de relevante, uma vez que terminou com um obstinado zero a zero.

Analisando todos os jogos que já tinham acontecido, considerei que havia falta de golos e, para além da Argentina que eu apoiava incondicionalmente, não havia outra seleção pela qual eu sentisse uma especial admiração e considerasse uma séria concorrente às ambições de Diego e dos seus companheiros. A Itália era a anfitriã e estava a ser empurrada pelo furor nacional, como seria de esperar. A Alemanha exibia o mesmo jogo de sempre, muito profissional, metódico e gelado. Os Camarões tinham surpreendido, mas precisavam de outros resultados positivos para convencer. A Holanda campeã da Europa fora uma desilusão. E havia ainda a Bélgica que eu relutava em apoiar com a mesma admiração que lhe votara quatro anos antes.

Para acrescentar à análise, recordava-me de que existiam novas regras no jogo que podiam influenciar a prestação das equipas e dos jogadores no mundial. O árbitro passou a decidir um tempo suplementar de alguns minutos para compensar as paragens ocorridas durante a partida e o número de suplentes por jogo passou para dois, daí que os bancos exibissem tantos jogadores. Falava-se que durante o mundial podiam acontecer outras alterações das regras e eu estava ansiosa para saber se iriam melhorar a qualidade desportiva. Continuava a considerar-me amadora perante as dissertações que via os jornalistas fazer, em reportagens escritas e televisionadas cheias de apontamentos a táticas, estratégias, posições e tipos de futebolistas, pelo que, se me perguntassem, haveria de responder que queria simplesmente golos e que a minha equipa ganhasse. O resto, desde que não atrapalhasse muito, podia ignorar sem receio de macular a minha visão sobre aquele desporto.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora