14 de Junho de 1990 (Quinta-Feira)

18 3 26
                                    


Neste dia despedimo-nos do guarda-redes Nery Pumpido que estava de malas feitas para Espanha, onde iria reunir-se com a sua mulher e filhos, para daí seguirem para a Argentina. A perna engessada iria atrapalhar um pouco, mas a deslocação não fora desaconselhada e ele queria ir embora o mais rapidamente possível. Uma segunda avaliação médica do seu estado iria ser feita numa clínica em Buenos Aires, na próxima segunda-feira, seguida da inevitável fisioterapia. Pumpido alegou que estava cheio de compromissos e gracejou que não podia ficar em Itália de férias.

Foi uma ocasião emotiva e eu não pude evitar as lágrimas. Abracei-o e desejei-lhe as melhoras. Não consegui dizer mais nada e também mandava o bom senso que fosse rápida, para dar espaço aos seus companheiros, a pessoas que eram muito mais amigas dele do que eu. Por isso, afastei-me e fiquei de longe a observar a despedida comovida e atrapalhada.

Olarticoechea mostrava-se mais incomodado que os outros, num ligeiro estado de choque e de incredulidade, porque tinha sido ele que, num lance fortuito, partira a perna a Pumpido. Continuava a pedir-lhe desculpa desde a noite anterior e Bilardo teve que intervir para sossegá-lo. Tinha sido um azar e pronto, o futebol estava cheio de azares. Tive pena de Olarticoechea. Percebia como ele se sentia miserável e tristonho, como a culpa, por mais que nos convencessem de que éramos inocentes por uma infinidade de razões, nos corroía e nos manietava.

Diego apareceu atrás de mim, assustando-me. Limpei apressadamente o rosto molhado.

– Queria agradecer-te por teres ficado com o Pumpido ontem à noite, no hospital – disse-me, sério. – Sei que já te disseram isto mais do que uma vez, mas queria que o ouvisses da minha boca. Era o que eu teria feito se não estivesse a jogar.

– Obrigada... – murmurei.

– Podes pensar que não fizeste nada, mas fizeste muito. Fizeste o que estava certo. Outra pessoa teria ficado a ver o jogo.

Baixei os olhos. A Argentina tinha vencido e eu estava em pulgas para saber como tinha acontecido. Conseguiram-se os tão ambicionados dois pontos que colocava a seleção numa melhor posição para o seu terceiro e último jogo da fase de grupos.

– Queria ver os vossos golos – disse.

– Podes conferir tudo a seguir ao almoço. Os jornais e o resumo do jogo na televisão. Prepara-te, porque vão dizer muito mal de mim.

– Oh! Porquê?

– Porque eu uso todas as armas para alcançar a vitória e não me perdoam. Mas é como sei fazer as coisas... sou filho de Vila Fiorito e não é agora que vou mudar.

Piscou-me o olho e sorriu-me.

– E o guarda-redes novo?

– O Goyco? Foi um monstro na baliza! – exclamou, orgulhoso. – Fez grandes defesas, travou muitas bolas dos soviéticos. O Pumpido tem um substituto à altura que não o vai envergonhar. O Goyco será um gigante, um verdadeiro gigante. Ele está a começar e, mesmo tendo entrado em jogo sem esperar, demonstrou toda a sua habilidade, toda a sua resistência. Vai às jogadas, sem medo, sem hesitações. Está na linha da frente com muita coragem. O Goyco será o melhor guarda-redes deste mundial.

– Também quero ver isso – admiti, curiosa.

– E verás. Verás tudo. Se quiseres o meu comentário, também o terás.

– Oh, não precisa!

E ri-me pela primeira vez desde os acontecimentos da noite anterior. Aquela curta gargalhada libertou-me um peso do peito. Percebi que Diego também ficou satisfeito por me ver rir.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora