20 de Junho de 1990 (Quarta-Feira)

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Hoje José Basualdo fazia vinte e sete anos. Cantaram-lhe os parabéns ao pequeno-almoço e depois encheram-lhe a cara de chantilly. Eu ri-me tanto que me doeu a barriga. Depois pedi desculpa, mas as gargalhadas anulavam a sinceridade do pedido e assumi que a cena me tinha divertido muito. Ruggeri perguntou-me, malicioso, quando é que era o meu aniversário e respondi-lhe dezembro. Ele quis confirmar esse facto, porque desconfiava que estava a mentir para me escapar de um tratamento semelhante. O Serrizuela tinha feito anos a dezasseis e também o tinham surpreendido com um ataque de chantilly. Prometi que lhe mostrava o meu passaporte e reafirmei que o meu dia de nascimento era a doze de dezembro. Iria fazer dezanove anos.

– És muito nova – observou, pensativo.

– No México tinha catorze. Era ainda mais nova, Óscar.

– Porra!

– Ei, Cabezón! – protestou Olarticoechea. – Nada de palavrões ao pé da Tina.

– Ups, descaí-me. Perdoa-me.

– Estás obviamente perdoado – assegurei.

Caniggia sorriu-me. Diego continuava ausente da nossa mesa.

Hoje era também feriado nacional na Argentina, dia da bandeira, e no início dos treinos tocaram e cantaram o hino. Alguns jogadores trouxeram bandeiras e agitaram-nas para mostrar o seu patriotismo irrepreensível ao batalhão de jornalistas que os aguardava e que iria fazer parte da sessão matutina de exercícios. Mantive-me afastada. A imprensa intimidava-me e depois do aviso velado de Bilardo no dia anterior iria duplicar os meus cuidados. Sentei-me na relva junto à arquibancada e fiquei a ler um livro. Na realidade, fingia que lia. Os meus olhos fixavam-se nos jogadores e no que eles faziam em campo. Ver os treinos de uma seleção num mundial era um espetáculo mais apelativo e podia ler em qualquer lado, até em casa.

Diego apareceu a andar normalmente, sem muletas e sem sinais de qualquer inchaço no tornozelo esquerdo. Cumprimentou brevemente os jornalistas e fez uma declaração que lhe era comum quando tinha coisas a esconder:

– Hoje não tenho nada para vos contar, rapazes. Tenho menos palavras que um telegrama.

E afastou-se. Esteve, depois, a brincar com a bola, a dar toques e a fazer malabarismos como se conversasse com o esférico numa linguagem que só os dois conheciam, entre carinhos e exigências, persistência e indiferença. Deixou toda a gente espantada quando começou a equilibrar na testa um dos cones de marcação do campo. Tiraram-lhe fotografias, bajularam-no com palavras como génio, monstro, incomparável. E assim distraiu os jornalistas que não perceberam que ele esteve sempre aparte do grupo.

À saída, apercebi-me de que foi apanhado para uma entrevista curta. Tinham-lhe implorado e ele não sabia recusar apelos eivados de dramatismo, desde que simpatizasse com o tipo e soubesse da sua história, que tinha de incluir o exagero de que precisava de alimentar uma família de cinco filhos e pagar uma casa num bairro modesto, ou algo assim desse cariz novelesco. Diego tinha um coração enorme e eu admirava-lhe muito essa sua generosidade.

Escutei-o a dizer que era o seu último mundial e travei os meus passos. Juro que não pretendia ser indiscreta, mas os meus ouvidos estavam atentos, aliás sempre estavam para me poder defender de alguma situação, e acabava por ouvir mais do que desejava ou pretendia. Encostei-me à parede, com o desespero a oprimir-me o peito. Escondi as mãos atrás das costas e baixei a cabeça, a suster as lágrimas. Aquela declaração de Diego desestabilizou-me totalmente. Desatei a chorar em silêncio.

Uma mão levantou-me a pala do boné. Quando Trigoria era invadida por gente estranha eu disfarçava-me. Vestia uma camisola larga da marca Adidas, uns calções do mesmo equipamento que me tinham sido emprestados para estas ocasiões, punha um boné branco sem marca, usava os óculos para me esconder parcialmente o rosto. Diego espreitou-me.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora