26 de Junho de 1990 (Terça-Feira)

11 2 2
                                    


Não queria enfrentar o dia. Não me apetecia.

Mandriei na cama, fingi que tinha sono, mas o calor acabou por me desalojar e levantei-me. Tinha fome. Bebi um dos pacotes de leite com chocolate, comi um bolo embalado e bebi água. Eram quase onze e meia da manhã.

Contemplei as minhas perspetivas, a lutar contra o desânimo que me prostrava. Diego podia ligar e eu iria aproveitar para lhe pedir finalmente desculpa. Seria pelo telefone, mas era melhor isso do que nada. A ideia de Diego querer falar comigo encheu-me de esperanças, comoveu-me, deu-me alguma energia.

Fui até à casa-de-banho. Só tive de aguardar que a mulher que já lá estava dentro saísse. A tomar um duche de água fria para me estimular os músculos, pensei que era só uma questão de tempo e de oportunidade, Diego iria ligar. Mais cedo ou mais tarde, ao longo daquele dia, ele iria seguramente ligar. Dera-me um dia de castigo, vinte e quatro horas, achou que seria suficiente, e depois tentaria entrar em contacto. Continuava sem vontade de sair à rua e achei que o mais ajuizado seria ficar por ali para poder atender de imediato a chamada de Diego.

Perguntei ao velhote da receção como fazer com a roupa suja. Olhou-me como se eu o estivesse a convidar para dançar a valsa num concurso. Não havia lavandaria. Pedinchei-lhe uma solução, eu pagava o preço que me indicasse. Precisava mesmo de lavar a roupa. Não tinha trazido uma grande mala para Itália, usava amiúde o serviço disponibilizado no centro de estágio, entregava diariamente um saco com a roupa suja, nem sequer tinha comigo todo o meu guarda-roupa. No dia seguinte teria de andar de pijama se continuasse assim. Claro que não disse isso ao velhote, mas diante do meu desespero concordou em ajudar-me. Iria falar com a esposa.

Fechei-me no quarto e, passados poucos minutos, o velhote veio bater-me à porta. Pediu-me duas mil liras por cada saco de roupa, a esposa vinha recolhê-lo à pensão e devolvia-mo no dia seguinte. Com aquela canícula, a roupa secava num instante e nem era preciso passá-la a ferro. Aceitei o negócio, não me apetecia regatear nada.

Tentei estudar matemática, mas era incapaz de me concentrar com aquele calor. Ao fim de meia hora desisti do estudo. Estendi-me na cama e chorei, sentindo-me abandonada. O telefonema de Diego tardava e, muito provavelmente, o meu castigo iria estender-se por mais um dia. Tinha sido uma falta demasiado grande, não podia ter a ilusão de achar que umas poucas horas eram suficientes para expiar toda a minha culpa.

Continuava sem fome, apenas com sede. Gastei a última garrafa de água e descobri, relutante e irritada, que teria de sair e comprar mais água no supermercado próximo.

Queria morrer. Queria fechar os olhos e desaparecer por algumas horas num sono que fosse semelhante à morte, tão profundo e vazio que me lavasse de todos os pecados, remorsos, inconsistências, pruridos e incómodos. A minha consciência pesava-me, e à medida que o tempo passava, o que tinha acontecido adquiria a consistência de uma tremenda burrice, tão sólida como um pedregulho que me tapava o caminho. Devia contorná-lo, escalá-lo, escavar-lhe um buraco, ultrapassá-lo e esquecê-lo, mas também tinha a tentação de ignorá-lo, voltar-lhe costas e fazer o caminho por onde viera, derrotada pelo meu erro. Esquecer as ambições de ser alguém diferente, continuar a ser a mesma Cristina desenxabida, cobarde, sonhadora, infeliz e solitária.

Tapei o rosto com os braços. Suspirei.

O sexo não era fundamental na minha vida. Continuava a considerar Diego como o único que me podia tocar dessa maneira íntima, não olhava para os outros rapazes e para os homens com olhos ávidos de experiências físicas, tinha passado duas semanas inserida no estágio da seleção argentina sem ter pensado em seduções dissimuladas, fantasias proibidas ou encontros clandestinos. Na realidade, olhava para os jogadores como se fossem meus colegas da escola, como se fossem amigos, primos ou irmãos, com desprendimento e ausência de desejo. Mesmo com Diego refreara os meus eventuais apetites. Os dias estavam a ser tão preenchidos e a passar tão rapidamente que a minha mente se ocupava com tudo menos com a necessidade de satisfazer o meu corpo eventualmente desassossegado pela falta de um companheiro constante que me apaziguasse o fogo interior.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora