12 de Junho de 1990 (Terça-Feira)

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Segundo o calendário do mundial, no horário habitual das cinco horas da tarde, jogava a seleção da Bélgica contra a seleção da Coreia do Sul na cidade de Verona.

O coração doeu-me. Senti-me a pior pessoa do mundo. Estávamos no quinto dia do mundial, já tinham acontecido tantos jogos, e nem por uma vez me tinha lembrado dos meus amigos belgas. E agora a evidência da minha distração, do meu desamor, do meu desplante esbofeteava-me com violência à entrada do restaurante onde ia tomar o pequeno-almoço. Vivera exclusivamente para a Argentina e para as minhas mentiras que envolviam um trabalho sobre a coluna de Trajano, tentava sobreviver sem pensar demasiado no dia seguinte, nem no que tinha deixado para trás, e o mundo batera-me à porta, escancarara-me as janelas, levava em cheio com a ventania do furacão que invadia o meu casulo protetor.

Desconhecia quais eram os jogos que iriam acontecer, à exceção daqueles disputados pela seleção das Pampas. Sabia que Diego e os seus companheiros jogavam dia oito, dia treze e dia dezoito de junho, o resto ignorara de propósito para ser surpreendida. O anúncio dos encontros entre países era afixado de manhã num painel em cortiça situado junto às portas duplas envidraçadas que davam acesso ao espaço de refeições. Era a primeira notícia que conhecíamos do dia, quem iria jogar contra quem. Achei o expediente engraçado e passei a servir-me dele para definir as minhas distrações do final da tarde e do início da noite. Naquela manhã, o meu saltitar despreocupado subitamente cessou ao verificar que, às cinco horas, os belgas iriam estrear-se no mundial frente aos coreanos do Sul, para o primeiro jogo do grupo E. À noite teríamos um desenxabido Holanda, Egito para o grupo F e que fecharia a primeira ronda de jogos da fase de grupos.

Sentei-me à mesa contraída e pensativa. Recebi um toque de Olarticoechea. Ele punha-me à vontade, queria ver-me bem, vigiava o que se passava nas minhas costas, obedecia às indicações de Diego que não interagia muito comigo para não dar azo a falatório.

– Está tudo bem, querida?

Forcei um sorriso. Agarrei na torrada com dois dedos. O pão ainda estava quente e a manteiga derretida pingava para o prato.

– Sim, sim. Está tudo bem.

– De certeza?

– De certeza. Estou a pensar no Trajano – inventei, para divergir a sua curiosidade e para esquecer as minhas mais recentes apoquentações.

– O homem não te deixou dormir? – perguntou a piscar-me o olho.

– Dormi bastante bem. Só que quando acordei lembrei-me que tenho de estudar a coluna e... pronto, estou a pensar em como vou começar o texto. Tenho de finalizar esse trabalho para começar a estudar matemática para um exame que devo fazer no início de julho.

– Jesus! Matemática também?

– Sim, Julio. Matemática também – concordei com um suspiro e uma dentada na torrada.

Senti uma carícia na cabeça. Diego acabava de chegar e deu-me os bons-dias assim. Sorri-lhe, encantada com o gesto, mas o seu sorriso pertencia a Claudio Caniggia que chegava ensonado. Senti alguns ciúmes, para depois achar-me estúpida, porque não devia exigir a atenção de Diego quando a tinha assegurada. Bastava chamá-lo e estaríamos a conversar num local reservado, só os dois, com espaço para uma maior intimidade e cumplicidade. Eu não tinha sentido falta de ter Diego só para mim e ele não achara que precisasse de me ter só para ele. Era muito satisfatório que nos entendêssemos daquela maneira tácita, sem palavras, sem exigências, sem dramas.

De manhã, aconteceu uma sessão de treinos bastante exigente, à porta fechada. As únicas pessoas que puderam assistir foram alguns jornalistas escolhidos pessoalmente por Bilardo, entre eles estava Daniel Arcucci, e quem já fazia parte do estágio, como os convidados especiais de alguns jogadores. Eu incluía-me no grupo seleto.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora