Não vou suportar: 22

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A lua pairava entristecida pelo céu, as estrelas pouco cintilavam sob as águas de um lago e a brisa que levava consigo folhas mortas e secas causava calafrios.

O homem vencera a mata densa e escura. Batia as botas levemente meladas por barro e lama. Abrira as portas traseiras de sua imponente caminhonete e jogou com desleixo e indiferença as duas crianças desacordadas. Levantando poeira por seu caminho tortuoso e inóspito o desconhecido seguiu as orientações de onde as deveria deixar. Acima apenas o céu sombrio os acompanhava e sabia o paradeiro delas. Uma estrada pouquíssimo iluminada, guardada pela noite, e longa era o destino do homem carrancudo. Seus reluzentes olhos malignos vigiavam o caminho assombroso à frente enquanto garantiam que as filhas da Tebet continuavam dominadas por um profundo estado de inconsciência. A cada solavanco do carro na estrada desrregular o corpo mole das duas quase saia do banco, o homem ria com desdém. Jogara uma bituca de cigarro, que estava entre os dedos fora da janela, ao dar sua última tragada e chegar ao lugar combinado. Colocou as duas meninas de volta em seus ombros, as ajustando, e adentrou o casebre.

- Espero que me paguem o prometido depois disso - Resmungou carregando as duas para dentro do lugar assustador e decadente.

Adentrou o local com apenas uma porta de saída, uma estrutura de madeira velha que rangia a qualquer atrito, e um telhado inclinado e agora parcialmente aberto por desgaste das frágeis telhas. O ambiente era abafado, quase sufocante por seu calor, os poucos móveis ali estavam empoeirados e quase aos frangalhos com o tempo sem uso. A madeira estava decomposta, úmida por chuvas onde o teto não fora mais uma proteção. O cheiro beirava à um odor putrefo. As meninas sentiriam náuseas ao despertar pela substância inalada e pelo fedor do lugar. Foram praticamente arremessadas a um colchão sujo e antigo, uma névoa de partículas no ar subiu com o impacto das Marias ali. Deixadas em um quarto minúsculo e com uma única entrada de ar sendo a janela de vidro e madeira ao canto, o homem saiu do quarto certificando-se que a porta ficasse trancada para que não tentassem escapar ao acordar. Foi até o único vão além do quarto e discou um número em seu celular descartável. Com um novo cigarro nos lábios, tentando o acender com seu isqueiro, pouco se importou com o despertar das duas meninas ao quarto.

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Eduarda despertou lentamente com a cabeça pesando, o coração disparado ao recordar aos poucos o que havia acontecido. Queria que fosse um pesadelo e ao comprovar correria ao quarto de sua mãe para aconchegar-se em seu conforto e calor para afastar a sensação aterradora do sonho. Seus olhos apavorados encheram de lágrimas ao perceber que não estavam em casa. O quarto pequeno, úmido e escuro a assustava. Ouvia o barulho na madeira de ratazanas passando pelos diminutos buracos nas paredes. Tossiu com o excesso de poeira e abraçou a si mesma sentindo um medo que crescia em seu estômago. Choramingou querendo sua mãe ali, queria gritar por seu socorro e se jogar nos braços dela até que todo os males a deixasse. Mas sabia que estavam em perigo e não deveria provocar mais violência com seus barulhos, ela aprendera isso com Fernanda que alertava sobre não irritarem seu pai. Sentia-se assustada e acuada como quando seu pai estava por perto. Chorou baixinho e buscou a irmã mais velha, percebendo só então que a mesma estava deitada ao colchão ainda inconsciente. Temeu que tivessem a machucado para estar ali e com mãos trêmulas, olhos derramando lágrimas e voz fraca chamou por ela a balançando.

- Nanda! Acorda! - Implorava em um tom desesperado, mas quase silencioso - Por favor, eu tô com medo! Não me deixa sozinha - Um soluço sufocado lhe escapou e ela olhou amedrontada para a porta com medo do que poderia passar por aquele portal tenebroso.

- Duda...? - A mais velha sentia um enjoo forte com o cheiro do lugar e se esforçava para abrir os olhos pesados querendo socorrer sua irmã - Duda! Te fizeram algo?! - Levantou de súbito ao lembrar do que aconteceu e segurou os braços de sua irmã angustiada.

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