Eu caí hoje, cai descendo as escadas enquanto levava uma cadeira velha pra o lixo, meu pé esquerdo pulou o último degrau e escorregou direto, tentei me equilibrar o máximo que pude. Analisando a situação agora, cair teria sido mais fácil sem a cadeira, mas não consegui soltar, não queria quebrá-la, o que é estranho e meio burro porque ela iria pra o lixo de qualquer forma, a integridade dela não era o mais importante naquela situação, mas eu costumo me deixar de lado quando tem um outro seja lá o que for na situação. Meu joelho esquerdo foi de encontro ao chão com muita força, na hora não senti tanto a dor, ainda não sinto, pelo menos não no joelho, sinto mais a coluna, tenho andado torta desde então.
Quando adulto você se preocupa com as coisas mais estranhas, minha mãe ao ver a foto que mandei no grupo se preocupou com a possibilidade de uma veia, que ela achou "aparente demais", ter estourado, imaginou um coágulo safado caminhado sobre minha pele e se encaminhando ao meu coração. Minha irmãs só riram, riram bastante, nós três rimos. Na verdade nada no baque me preocupou, quando você é criança ou adolescente cair é uma das coisas mais assustadoras que pode te acontecer, por diversos motivos, o que os outros vão pensar, o que você vai sentir, se quem viu vai lembrar disso pra sempre, porque você com toda certeza lembrará pra sempre. Durante o dia enquanto lava os pratos, já casada e com filhos, a visão de seu marido dando banho no cachorro e as crianças correndo pelo quintal será apagada pela lembrança do baque, essa memória arteira te derrubará no chão sem cerimônia alguma com um empurrão forte, como se tempo nenhum tivesse passado, então você sentirá o rosto retorcer em mil expressões, nenhuma realmente identificável, de forma muito rápida você levantará e tudo terá voltado ao normal, agora a lembrança é só uma poeira sobre seu ombro.
Cair quando adulto é diferente, você já está familiarizado com a situação, com quem você é, com quem são os outros, não faz tanta diferença cair na frente deles ou não, quem viu, quem ajudou, quem não, nada disso importa muito. O que ficou mais tempo na minha cabeça sobre essa magnífica queda que tomei essa manhã é o machucado, passei o dia tocando meu joelho, sentindo a pele afundar com a pressão dos dedos causando uma dor diferente da usual, não era uma dor boa, mas me lembrava que o baque ainda estava por ali. Vez ou outra penso nas marcas que ficarão na minha pele por semanas, primeiro vermelho, então roxo, logo após azul e verde, então o amarelo e por fim tudo voltará ao normal. O baque durou alguns segundos, a dor provavelmente durará uns dois dia, a mancha colorida na pele ficará por ao menos três semanas, a lembrança agarrada a sentimentos indefinidos voltará vez ou outra por anos, as diversas análises sobre como, onde, o que fiz e o que não durarão para sempre. E viverei, por todda a eternidade insatisfeita com as decisões que tomei durante aquela queda.