Em toda a minha vida eu nunca estive sozinha. No ventre da minha mãe antes mesmo de ter consciência, no jardim de infância quando brincava com desconhecidos ainda desgarrada dos laços do tempo, e na adolescência quando deitava em uma calçada qualquer durante a tarde e passava horas observando o céu, jamais estive sozinha. Nunca fui indivíduo, já nasci coletivo, já nasci nós. Toda mulher nasce nós. Eu sou aqueles que um dia virão, sou aquelas que vieram antes de mim, mas além dos grandes e pequenos acertos e empecilhos, sou esse aglomerado de mulheres que vão e vem numa dança melodiosa que não tem fim, não almejo o fim, pois no último passo já não estarei aqui, e isso não me agrada nem me aflige, mas me entristece. A confusão de ser eu, de ser uma e não um me atormenta desde que nasci. As mãos desse ser invisível que me move por cordilheiras frondosas para então me empurrar do topo das montanhas antes que eu possa apreciar a vista é ser eu, um ser cansativo e glorioso. Um existir que me dói e me cansa e ao mesmo tempo me infla e faz rir. Nunca fui indivíduo, sempre fui coletivo, sempre fui nós.