Consigo me ver pelo canto do olho fugindo pela janela enquanto anoto no quadro os afazeres da semana, essa versão infantil e preguiçosa de mim, a que procrastina tudo que devo com toda a certeza terminar, que tenho prazo, sempre a prendo mas ela escapa, ela é mais eu do que gosto de assumir, agora está por aí, andando com a gata abusada dela, passando a mão pelas plantas e cercas que encontra, olhando para o céu, embasbacada, tropeçando a cada 5 passos por puro desatento, deve estar sentindo o vento no rosto, deitada na grama, cantarolando, cobrindo o brilho do sol com a mão enquanto faz os dedos dançarem no som da música incessante que toca em sua cabeça, cada vez mais alta, os olhos nervosos que nunca param quietos certamente vão achar algo para se ocupar. Um rato branco se mexe na árvore próxima a ela, ela se levanta rápido, eles se olham por um tempo, como se conversassem, a gata já está dormindo, não dá a mínima, o rato corre e a convida a o seguir, ela vai, sempre vai pelo caminho errado, só acho seus sapatos e a gata quando vou procurá-la. Eu entro no buraco seguindo o rato, de repente estou caindo, a sensação é boa, nada me segura, nada ao meu redor, nada, só eu, ser só você mesmo é mais gratificante do que eu imaginei, estico os braços, giro, posso usar todo o espaço e ainda sou livre, quando caio não dói, não senti nada, estou na sala de aula de novo, olho pra mim mesma anotando no quadro os afazeres da semana, não consigo segurar o riso, ela vira pra trás, me olha nos olhos, os meus são reais os dela são só buracos, vira de novo para o quadro, aproveito e escapo pela janela, o mundo parece brilhante e fresco demais para passar tanto tempo dentro da própria mente.