Moro nesse prédio já a alguns anos, a pelo menos 2. O escolhi por ser novo em folha, acabara de ser construído, ninguém nunca havia morado no apartamento 201 e eu achei isso encantador de uma forma quase mágica. Durante minha vida me mudei bastante, e todas as casas tinham essa energia própria impregnada nos tijolos, nos pilares, arrisco dizer que até a tinta das paredes parecia estranha, não importava quantas demãos eu passasse, nem se era a cor mais vibrante do mercado, ao final do dia qualquer cor sempre parecia desbotada naquelas paredes amaldiçoadas com a história de outros. Eu não sei explicar, mas cada casa soava diferente e me afetava de formas diferentes, por isso dessa vez queria algo novo, sem história alguma, sem alma, algo saído do papel, dando os primeiros suspiros no mundo.
O primeiro ano no apartamento 201 foi normal, feliz até, nada demais aconteceu, alguns encontros sem futuro, jantares animados que pareciam não ter fim, reformas e mudanças de móveis, coisas necessárias para se atingir o máximo de conforto em um imóvel ao ponto de finalmente chama-ló de lar. Foi após esse primeiro ano que as coisas começaram a ficar esquisitas, os corredores se tornaram mais longos e escuros, diversas vezes ao voltar do trabalho a noite eu tropeçava em algo que sumia imediatamente após me derrubar, caída no chão quente, úmido e pegajoso, eu sentia ele se mover como um pulmão respirando, quase me permiti afundar no músculo vez ou outra, mas logo recobrava os sentidos e ao me por de pé tudo voltava ao normal, e eu me via em pé no corredor sujo e escuro do meu prédio, suando frio com o som do meu coração acelerado ecoando pelas paredes.
Passei a odiar os corredores, sempre que passava por eles me sentia tonta devido ao movimento das paredes, elas se moviam com uma garganta, me engolindo cada vez mais, associei esses momentos de alucinação ao cansaço e ignorei-os como qualquer um faria, mas recentemente esses acontecimentos tem sido mais intensos. Meus vizinhos parecem cansados e não me cumprimentam mais, os corredores estão sujos e manchados, as luzes queimam e ninguém liga, acho que estamos aqui a tempo demais, um dia desses a senhora que morava no apartamento 202 se fundiu a parede da janela que costumava ficar durante as tardes, sempre que passo por lá sinto ela me olhando, às vezes ela sussurra injúrias contra mim, sinto todos os pelos do meu corpo arrepiarem e meus músculos até se movem um pouco em sua direção, mas me recuso a encará-la, tenho medo de ficar presa com ela, não iria suportar.
Durante a noite escuto as pisadas fortes que vão de um lado ao outro do corredor em frente ao meu apartamento, soa como uma criança brincando, mas sei que não é uma criança, quem dera fosse, ele se mudou a um tempo, mas volta pra me vigiar, eu sei que é ele, só pode ser ele. Ele nunca aparece em frente aos meus olhos, não, só o vejo pelos cantos, pela visão periférica, quando estou cozinhando percebo ele me olhando pela janela da sala, já pensei em fechá-la, ela dá direto para o corredor, mas não sei o que ele fará se não puder me ver.
Tenho medo dos corredores desse prédio, um dia desses ao voltar pra casa minha mão ficou presa na parede de uma vizinha, ela até pôs a cabeça pra fora da janela mas só me olhou e voltou pra dentro, não fez nada, não a culpo, não sei se faria algo por qualquer um nessa situação. As pessoas daqui mudaram. Estamos nesse prédio a tempo demais, não sei se gosto dos meus vizinhos, não sei se gosto do que fizemos com o lugar, das histórias que contamos para as paredes, não sei se gosto da minha alma, evito encontrá-la por entre os corredores.
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Cenas escritas no café
Krótkie OpowiadaniaTextos soltos experimentais de minha autoria.