Dos sims e nãos

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Eu me arrependo de todas as vezes que disse sim a você. 

Lembro de estar sentada na beira da minha cama balançando os pés freneticamente e passando as imagens no Instagram sem nem prestar atenção no que via, minha mente viajava ansiosa pelos dados que lembrava de mortes fulminantes em jovens preocupados demais, eu me questionava se podia morrer de preocupação, tão grande era meu nervosismo com aquele primeiro encontro. Quando a mensagem "cheguei" surgiu na tela senti meu coração tentar sair do meu peito, num pulo fortíssimo ele machucou a boca do meu estômago e quase alcançou a garganta, a vertigem por pouco não me derruba, mas me endireitei, olhei no espelho e senti que aquele era o primeiro dia de uma vida completamente diferente, uma nova história, a história mais aguarda, um romance. Pus mais perfume e desci ao seu encontro. 

Quando penso nessa noite (e penso nela com frequência), eu me arrependo de ter entrado no carro. A ansiedade, as expectativas, o nervosismo, a antecipação, todas essas partes são encantadoras para mim, o momento de imaginar como vai ser, de criar mil cenários. Eu acho divertidíssimo pintar, mesmo que por alguns segundos uma vida nova para si, considero uma brincadeira, por alguns minutos enquanto espero o ônibus ou nas tediosas filas no caixa do mercado me divirto vivendo em uma outra realidade. 

Te entreguei meu primeiro sim aquela noite, e muitos podem pensar que é impossível meu primeiro sim ter sido dito no primeiro encontro, afinal tive que aceitar estar lá, então um sim já havia sido dito, mas não é à esses sims que me refiro, não, o sim a qual me refiro é o dado sem vontade, é o sim de renúncia, o sim do cuidado, aquele que te diminui e castiga, te pondo no canto do quarto ajoelhada em pequenos pedaços do que podia ser, o sim que vira remorso, que arde no peito e amarga na boca, que enche os olhos de lágrimas nunca derramadas, aquele sim que afunda em você e se faz marcar, o sim que nunca vai embora uma vez que já foi dito. 

Naquele primeiro encontro escolhemos nossos papéis, não percebi que o fazia até ser completamente absorvida por ela, essa personagem que não reconheço quando olho no espelho, que não me agrada. Você é o rei preguiçoso e encantador, eu sou a mão que te cuida. Eu não tenho vontades, desejos, motivos, não tenho voz nem corpo, sou servidão, sou devota. Todos os meus sims são arrancados de mim com pressa e violência, e eu fico para trás cheia de culpa e ressentimento. A última vez que me vi foi no reflexo do espelho antes daquele encontro, maldito encontro, maldito caminho, malditos sonhos e filmes de romance, maldita eu por entregar algo tão precioso como se fosse comum. 

Nunca fui uma garota cheia de "nãos" para dar, era raro dizer ao menos um por mês, hoje em dia vivo em busca deles, se eu ao menos conseguisse um, um único seria o suficiente para me tirar dessa situação deplorável. Talvez eu fuja pela janela como uma das personagens da minha sitcom favorita, talvez eu só permaneça aqui e siga para o altar, transformando minha história numa tragédia, por enquanto eu permaneço sentada na beira da cama buscando no meu reflexo um pequeno traço de quem eu fui, talvez ela tenha escondido um não em algum lugar quando pressentiu o desastre. 

Relembro o primeiro encontro, relembro a desistência, o "tudo bem" dito sem certeza alguma, consigo sentir minha voz sendo guiada até suas mãos e meus olhos sendo cobertos por um véu fino. Um instante, apenas um instante e eu me perdi, quem dera eu soubesse mais cedo o valor dos meus sims, assim não teria os entregado com tanta facilidade. 

Cenas escritas no caféOnde histórias criam vida. Descubra agora