Eu tenho essa tendência a fugir pela janela do meu ouvido toda vez que meu corpo mergulha num dia encantador. Esses dias em que o sol brilha escondido no céu, se recusando a aparecer, você passa o dia o procurando, numa brincadeira de pega-pega que ele quase sempre ganha, boa parte das vezes em que o procura só encontra muita luz num céu azul claro vestido de nuvens branquíssimas, como as que aparecem na TV, mas não vamos comparar dias assim a fantasias, pois eles não são. Não, dias assim estão por toda a parte, ocorrem umas duas ou três vezes ao mês com você, comigo, com o conhecido de um outro alguém. Esses dias brilhantes em que o digníssimo sol arranca da pele todas as tristezas e mazelas, empurra o vento dentro de seus pulmões e tira de lá as impurezas. Seus olhos podem doer, sua pele pode queimar, o suor pode, e muito provavelmente vai, colar o tecido de sua roupa favorita na sua pele tornando tudo uma coisa só, mas isso não importa, vc já é um só com o vento, com o azul, com o branco das nuvens, com os postes da rua, com os carros na estrada asfaltada. Até as pessoas que esbarram em você, ao invés de uma cara feia e um insulto oferecem apenas um sorriso envergonhado e um pedido simples e apressado de desculpa, e nada disso parece fora do normal. Esses dias encantadores em que eu sento na cadeira do meio da última fileira do ônibus quase vazio em plenas 13h da tarde, e aprecio a vista para o corredor fresco, sem me importar com os cabelos sendo violentamente bagunçados pelo vento, porque coincidentemente eles balançam ao ritmo da música que toca alto nos fones de ouvido. Eu me sinto num musical particular. Por alguns segundos esqueço de mim e quase fujo, então puxo meu braço quando já estou com metade de mim para fora da minha cabeça e me aconselho a permanecer aqui, nessa cadeira, nesse ônibus, no presente, eu digo a mim mesma "fica aí, aprecie o sol escaldante nesse céu azul infinito, aprecia um dos dias mágicos que o mundo oferece vez ou outra, não custa nada"
