22 I Sobrevenha

314 35 71
                                    


Narrado por Shinsou Hitoshi


Δ

Encontrar Kaminari naquela situação tão crítica me fez agradecer eternamente pela minha astúcia em segurá-lo antes que fosse tarde demais. Eu nunca presenciei tal cena antes, e me assustou demasiado flagrar alguém tão relevante emocionalmente na minha vida medíocre tentando tais ações contra a própria existência. Isso só comprova para mim mesmo que a atual situação mental dele está tão perigosamente abalada que, indo contra a humanidade, seu cérebro o permite tentar este tipo de coisa, e não ao contrário.

A visão imaginativa de segundos onde eu encontro seu corpo estilhaçado no chão e completamente sem vida me assombra, e eu suspiro em contentamento e alívio ao constatar que eu consegui evitar tamanha tragédia. De fato, eu não saberia o que fazer se isso acontecesse; o significado de muitas coisas em minha sobrevivência cairiam por terra, e eu estaria sucumbindo ao desejo mortal a mim mesmo de ressuscitá-lo e amaldiçoá-lo para viver a eternidade e ver a destruição deste mundo. Mas ninguém merece tamanho castigo; por isso a periculosidade da cena se esta acontecesse. Eu não estaria pensando racionalmente, e cometeria um dos meus piores erros.

Tendo impedido o desastre, me vi na função de acolhê-lo e lhe passar certa segurança. Abraçá-lo e dizer que eu ainda estou aqui, que eu não fui embora e o deixei abandonado mais uma vez; mostrar que estou prometendo com a minha palavra em não deixá-lo mais. Tê-lo tão vulnerável em meus braços, deixando com que todas as suas frustrações saiam como lágrimas que me molham mexe com minha mente. É tão embaraçoso e assustador pensar que, um segundo mais tarde, tudo poderia desabar... eu sinto um medo genuíno passar pelo meu corpo. Os pensamentos de que ele tentou fazer isso outras tantas vezes, e que eu não pude estar aqui, mas apenas sentindo fracos resquícios ao longe... me enche de pavor pensar que eu poderia ter voltado e encontrado, novamente, pessoas com histórias deprimentes de quem uma vez foi vivo, saudável e feliz. Tudo o que eu sempre tirei das pessoas ao simplesmente amá-las como não deveria ter amado.

— Eu vou te ajudar, Kaminari. — Sussurro, fraco, tentando mostrar que eu estou aqui, e desta vez, para sempre. De verdade. — Eu só preciso que você me deixe te ajudar.

— Shinsou...

— Sim?

— ... me chame apenas de Denki.

Meus olhos cresceram, espantosos, e era como se o mundo ao nosso redor tivesse parado, e que apenas eu e ele encontrava-nos juntos na escuridão. O tom quebradiço e cansado era tão notório que podia fazer uma mente despreparada trincar como vidro facilmente. E eu, infelizmente, era uma pessoa despreparada.

Não pude sorrir. Eu não pude sorrir. A situação toda é desfavorável e não me permite tal proeza. Na realidade, eu me sinto mal, porque sou encaminhado a anos atrás quando ele me disse a mesma coisa, em um mesmo momento no qual ele se via tão machucado que, ao ter alguém consigo, deu-lhe tamanho conforto. Naquela época eu fiquei feliz, mas não dormi. Hoje... hoje eu só me sinto triste e terrivelmente exausto.

Ergo minha cabeça e o abraço com mais firmeza. Meus olhos se enchem de lágrimas e é quase impossível segurá-las. Por isso elas escorrem duras, deslizando por minhas bochechas e caindo em seu ombro. Respiro uma, duas, três vezes, fecho os meus olhos, tentando voltar à normalidade para lidar com alguém mais importante do que eu.

— Tudo bem, Denki. — Tento disfarçar que estou abalado, trazendo o máximo de normalidade possível. — Você já deve imaginar a minha resposta a isso.

— Sim... Hitoshi. — Falou devagar, como se testasse; como se degustar a sensação perdida em anos e que foi transformada em algo odioso ainda lhe descesse de maneira insossa. E isso me deixa ainda mais aflito.

Purplish Vampire IIOnde histórias criam vida. Descubra agora