Protocolo 77

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ABIN, Brasília

08 de fevereiro

14h17min

Na sala de paredes azuladas do Departamento de Investigação Processual na Agência Brasileira de Inteligência, Rosa Villar  moveu a cabeça ao ouvir seu nome.

− Roriz quer falar com você – a secretária avisou.

− O que ele quer?

− Você sabe que é confidencial. Também disse que é urgente.

Rosa se pôs de pé e caminhou até a sala do superintendente. O chefe gostava de ser chamado pelo sobrenome. Já fora militar e, na verdade, ainda parecia um.

Ao passar na frente do vidro espelhado do escritório, percebeu a mulher de pele morena e cabelos negros. Rosa se sentia plenamente confiante à beira dos quarenta anos. Ela vestia um tailleur escuro e saltos Scarpin, mas nada se ajustava à sua verdadeira profissão: uma agente da ABIN – conhecida como a CIA brasileira. Claro, não chegava aos pés da entidade americana. O investimento bilionário dos EUA em pessoal especializado e tecnologia de ponta contrastavam com a realidade da ABIN, que contou no início com equipamentos sucateados e pouco pessoal.

Mesmo assim, Rosa se adaptou às limitações do ambiente de trabalho. Competente, doutora em neurolinguística, compreendia não só os tipos de transtornos linguísticos, como sempre estava a par das novas linguagens tecnológicas. Isto era importante para um agente. Em seis meses, havia superado as expectativas da alta cúpula da ABIN. Usando poucos recursos, adquiriu confiabilidade e respeito de muitas autoridades do poder executivo. Por isso, há mais de dois anos, era sempre convocada para averiguar situações sigilosas. E foi considerada por muitos colegas de trabalho como uma das cinco mulheres mais poderosas da agência.

   Abriu a porta. Os móveis sóbrios combinavam com o rosto mal-humorado de Ricardo Roriz.

− Não precisa sentar. Temos pouco tempo – ele disse, exibindo uma carranca no rosto magro demais, as covas aparentes e a testa brilhosa abaixo dos cabelos grisalhos e curtos. – Dê uma olhada – atirou sobre a mesa um maço de papéis, a capa timbrada com o logotipo da ABIN: uma esfera azul com dois anéis dourados dispostos em X.

Rosa folheou o processo, uma cópia registrada com mais de cem páginas. A ABIN costumava arquivar duas naturezas de documentos: confidenciais e sigilosos. A olhos destreinados poderiam ser a mesma coisa, mas não eram. O primeiro seria levado a público em alguma ocasião; o segundo, nunca. Na borda inferior, notou a sequência de letras e números típica em documentos confidenciais: ALFA-2323/77-B. As primeiras letras simbolizavam um projeto da inciativa privada, não finalizado. Os números, depois da barra, resumiam a natureza do projeto, ou seja, pesquisa e empreendimento em biotecnologia. A última letra mostrou-lhe que ocorreram duas vistorias, mas eram ao menos quatro, terminando em D. Tais inspeções eram secretas. Nem a empresa envolvida sabia disso. Apenas autoridades específicas do país, como a Presidenta.

A ABIN zelava pela segurança da nação, concentrada em qualquer possível foco de ameaça ao Brasil, e, como qualquer agência secreta, trabalhava com muita discrição.

Rosa ficou intrigada ao abrir o documento. Observou plantas arquitetônicas de laboratórios, o esquema de uma estufa magnífica com 90 metros de altura e área de extensão maior que um campo de futebol, tudo tracejado e medido com precisão geométrica. Notou também mapas do arquipélago de Fernando de Noronha; em um deles, a ilha principal, o lado leste limitado por traços circunscritos. Virou a folha. Ficou interessada na imagem por satélite da Ilha da Trindade, em outro arquipélago ainda mais distante da costa marítima brasileira. Por último, leu uma lista de nomes de espécimes de cuja natureza desconhecia.

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