A Intençao de Kiao

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Aeroporto de Hong Kong, China

09 de fevereiro

17h12min

Zen Chang sentiu o estômago revirar quando o jato Gulfstream G650 subiu do chão para o céu nebuloso. Chang segurou a saliva grossa na boca fechada. Levou uma das mãos contra os lábios. Lembrou-se, com ódio, que era um dos aviões mais rápidos do mundo e chegava a uma velocidade de novecentos quilômetros por hora. A companhia o havia adquirido há poucos meses.

O avião manobrou no ar assim que estabilizou. Chang pegou um saco plástico e vomitou a sopa de frutos do mar. O aspecto rosado era horrível.

Meu Deus, não devia ter comido nada! Respirou fundo e apertou o interfone:

– Quantas horas até Paris, Lun? – perguntou em cantonês. Ia se encontrar com um representante do ICOM, Conselho Internacional de Museus.

– Previsto para três horas e meia, se não houver anormalidade no tempo, senhor – o piloto respondeu.

Chang praguejou.

– Sinto muito, senhor. Pode abrir a caixa de emergência, se quiser um antiemético. Está no fundo, ao lado da porta do toalete.

– Posso aguentar – o chinês disse.

Tirou o dedo do interfone e percebeu que a mão tremia. Recostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos. Preferia estar fora dali. No museu. Adorava pensar naquele lugar. Um projeto espetacular construído numa ilhota ao sudeste do Brasil. Algo bastante inusitado: um museu de microbiologia. Em nenhum lugar do mundo existia um, a não ser aquele protótipo sem graça em São Paulo que mal acomodava uma dúzia de crianças.

Deixou os pensamentos o transportarem até seu escritório. Lá podia ver o mar brilhando ao sol e pássaros mergulhando a cabeça na água, caçando pequenos peixes. Escolheu o melhor ambiente para um museu temático. Era uma bela ilha. Estava ansioso para abri-la aos cientistas. Imaginou universitários encantados ao examinar os espécimes, os cientistas eufóricos discutindo as possibilidades, deslumbrados com tanta informação. Todos os visitantes se assustariam com uma nova e majestosa visão dos micróbios. Um mundo mais antigo que a própria humanidade, ao mesmo tempo tão novo por falta de informações precisas. Chang sempre entendeu o desejo da comunidade científica em saber mais detalhes quanto ao comportamento daqueles seres microscópicos e magníficos. Um mundo ainda tão misterioso!

Segundo as mais modernas teorias evolutivas, aquelas criaturinhas eram responsáveis pela origem da vida. A origem da vida! Ficou pensando naquilo, refletindo sobre o fato de que o mundo fora banhado por mares de germes antes de tudo.

Abriu os olhos, procurando os cantos obscuros do interior do avião. Imaginou micróbios ali, devorando tudo, movendo-se, asquerosos, sobre as paredes de carpete húngaro, maçanetas de porcelana francesa e móveis de madeira laqueada. Olhou para o copo d'água; decerto ali também, deliciando-se com o resto de sua saliva espessa. Sentiu nojo. Imaginou minúsculos monstrinhos grudados nele e...

O alarme do interfone tocou:

– Senhor Chang, contato via satélite com o senhor Kiao em trinta segundos.

– Confirme – ele pediu.

Um monitor grande de LED baixou do teto. A câmera ligou. Uma mensagem apareceu na tela: Teste de Câmera da ViaCom. Chang viu sua própria imagem na parte direita do monitor: um chinês gordinho de roupas coloridas e bochechas rosadas fazendo caretas. Parecia saudável, mesmo se recuperando de seus últimos vômitos. Ensaiou um sorriso, arregalou os olhos, depois mostrou a língua.

– Que diabos está fazendo? – ouviu uma voz familiar na caixa de som. Era Kiao, seu sócio.

– Não estou vendo você – Chang comentou.

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