Na Redoma

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Sistema de Aquários

10 de fevereiro

17h53min

Manuel encostou o dedo no receptor da porta de vidro no fim do pavilhão do Ambiente de Realidade Aumentada. A porta correu para a esquerda, sibilando ao abrir. Ele encaminhou o grupo para uma nova sala. Ao repassar algumas instruções, Rosa percebeu os traços europeus no rosto do rapaz, mas os olhos sutilmente puxados.

Ousou perguntar a ele:

– Você tem origem chinesa?

– Sim, Doutora – respondeu, sorrindo. – Pode não parecer, mas meu pai é português, criado em Macau, e minha mãe é chinesa de uma província próxima a Pequim.

– Qual sua função aqui? É microbiologista também? – procurou ser simpática ao perguntar.

– Não, sou o Relações Públicas da empresa, tento zelar pela boa imagem da Companhia.

– Um cargo e tanto na Biotech – ela continuou. Tinha uma suspeita sobre o rapaz. – Com origens tão distintas, como ficou seu nome? – Rosa indagou, mantendo suavidade na voz. Tons alterados no timbre entregavam qualquer disfarce e interferiam na resposta do investigado.

– Manuel Tanlau, perdão, Lantau – ele se corrigiu. Sorriu para Rosa, puxou os óculos do bolso da calça, colocou-os no rosto e começou a digitar em um pequeno tablet.

Rosa se lembrou das palavras da enfermeira do Hospital Adventista:

Hoje mais cedo dois homens orientais insistiram em saber acerca da entrada de alguma vítima sem nome ou sexo. Descreveram apenas os sintomas. (...) Um deles tinha dificuldade com a nossa língua. Perguntou se havia algum sapiente com sintonho estrama.

Rosa decidiu ficar de olho nele. Em anos de investigação, ela conhecia casos de Relações Públicas que fariam qualquer coisa que a empresa ordenasse. Ainda era um comportamento comum entre patrão e empregado.

Voltou os olhos para o revestimento azulado do espaço sem janelas, iluminado por lâmpadas halógenas. Ali cabia pouco mais de cinquenta pessoas. No fundo da sala, a parede de vidro segurava uma escotilha de aço com um painel digital embutido. O outro lado da parede era só escuridão. Randall bateu levemente com a mão fechada.

– É um polímero especial – Wankler informou. – Chamamos de polivitrum. Não é nem vidro, nem acrílico. A empresa PoliChin desenvolveu para nós uma resina de alta resistência e transparência melhor que o vidro temperado.

A PoliChin, fundada em 1996, era uma Companhia chinesa com mais de 50% das ações pertencentes à Biotech. Não pouparam esforços para desenvolver um polímero translúcido, resistente à ações do tempo e impactos perfurantes.

A própria Biotech investiu capital pesado na PoliChin para descobrir um material seguro, objetivando seu uso em aquários ou qualquer outro lugar. Depois de cinco anos, conseguiram criar um polímero tão forte quanto o aço, que resistia a altas pressões. Era algo semelhante à descoberta de Nicolas Kotov, que montou nanoestruturas à base de álcool polímero e criou o primeiro aço-plástico do mundo.

No entanto, quando começaram a produzir o polivitrum, muitos engenheiros pesquisadores da PoliChin se perguntavam por que o interesse em material tão resistente. Lian Zhou, chefe da pesquisa, era um deles. Numa manhã de março, dois anos antes do museu ser construído, Lian discutiu com sua equipe:

– A informação que obtivemos é que a Biotech vai montar um complexo de aquários. Eles precisam de resistência superior a 15.000 kg/m² em pressão.

Os outros engenheiros iniciaram um alvoroço. Um deles questionou:

– O que vão pôr lá dentro, tubarões brancos e crocodilos?

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