Departamento de Geociências, UFRN
9 de fevereiro
10h10min
− Pode aproximar o arquipélago utilizando as informações do satélite? − Alex perguntou, de olho na tela que mostrava um planeta virtual girando sobre o próprio eixo.
− O programa que estamos desenvolvendo é baseado no conjunto de dados adquiridos pelo Google Earth, com um diferencial: ele cruza informações com outros dois satélites − William explicou diante do computador. Era um rapaz de cabelos compridos, brincos nas orelhas e tatuagens nos braços. Além de bolsista de doutorado da universidade, dominava como ninguém muitos programas de geoinformação e processamento.
− Isso quer dizer que posso encontrar modificações no solo e vegetação em qualquer parte da geografia do arquipélago de Noronha?
− Sim. Usamos para saber se um desmatamento aumentou em determinada região da floresta amazônica, ou se um lago atingiu sua capacidade de retenção máxima de água, depois de um inverno rigoroso. Primeiro o satélite fotografa várias vezes a região, depois o computador seleciona a informação que precisamos, comparando as fotos entre dias, semanas ou meses. No início, o Geodésica foi desenvolvido para levantamento de dados ambientais, mas pode servir para outras coisas. O que quer especificamente?
Alex apontou para as linhas vermelhas que simbolizavam estradas abertas na maior ilha de Noronha. Conhecia boa parte delas, desde o APA, Área de Proteção Ambiental, assim como a parte mais controlada da ilha, o Parque Nacional Marinho.
− Pode determinar quais vias são utilizadas com frequência?
− As que estão em vermelho são estradas abertas e não asfaltadas. Em amarelo, a única estrada federal da ilha principal, a BR-363, do Porto de Santo Antônio até a praia do Sueste. Linhas verdes e tracejadas podem indicar picadas abertas na mata. Há algumas na região do Capim-Açu, no outro extremo da ilha.
− O computador mostra se uma clareira foi aberta nos últimos dois anos?
– É foco de nossa investigação com frequência – o rapaz digitou as informações no teclado durante quase um minuto. O monitor destacou pontos na imagem virtual da ilha principal do arquipélago dentro da mata nativa, a região de Capim-Açu – lugar em que o acesso era muito controlado. Apenas com guia credenciado, previamente agendado no IBAMA, alguém entrava ali. Havia limites de até dez pessoas a cada dois dias.
– E aí, o que você tem pra mim? – Alex quis saber.
− Que estranho. Há um pequeno desmatamento na principal ilha de Fernando de Noronha. Atividade de baixo impacto na mata litorânea perto do Farol, longe das vilas.
Alex viu no monitor marcações amarelas em clareiras na parte isolada da ilha, distante de pousadas e praias abertas aos turistas. O monitor identificou numa etiqueta: Ponta Capim-Açu.
− Cinco clareiras de três metros de largura cada uma, próximas ao pico mais alto − o rapaz encarou o professor.
− Por que iriam fazer clareiras com tamanhos e distâncias exatas? − Alex perguntou.
− É obvio que é uma obra de engenharia.
− Não podem. Esta parte da ilha é uma unidade de conservação.
− Na prática, não poderiam − William ironizou. − Acha que isso foi autorizado?
− Caso tenha sido autorizado, foi pelo único órgão ambiental que conheço.
− O desmatamento na região foi planejado − o rapaz bateu o indicador no monitor. – Mas o IBAMA estaria sozinho nisso?
− Talvez o Exército trabalhe com eles − Alex conjecturou. – Os militares sempre executam ações braçais. Se estão planejando uma construção, é necessário muito material de alvenaria. Como isto chega até lá?
– Aviões.
– É verdade, o porto da ilha não recebe navios, só pequenos barcos – Alex lembrou. – O satélite pode traçar as rotas aéreas mais utilizadas nas imediações do arquipélago?
O rapaz digitou no teclado outra vez. As linhas aéreas surgiram acima do oceano virtual, dezenas em amarelo, seis ou sete em vermelho e quatro em verde.
− Existem três tipos específicos de rotas? − Alex perguntou.
− Sim! Adoro este programa! É fabuloso – William disse, eufórico. – Veja bem, o Geodésica memoriza as rotas baseadas na passagem de objetos acima das nuvens que o satélite capta em movimento. As rotas em amarelo são frequentemente traçadas por aviões comerciais e jatos particulares, mas criamos um algoritmo para quando estas rotas fogem do padrão de assiduidade. Elas aparecem em vermelho ou verde.
− Novas rotas?
− Com certeza. No futuro, poderemos detectar aviões que estejam perdidos por falhas mecânicas ou aqueles tripulados por traficantes de drogas que aterrizam em pistas ilegais. Esta é uma das ideias do Geodésica.
– Que interessante – Alex comentou.
– Observe – ele bateu com o dedo na tela. – O computador informa que as rotas verdes foram usadas nos últimos seis meses até Fernando de Noronha.
− E qual o ponto de origem delas? – Alex forçou a vista para enxergar a imagem no monitor.
William moveu o cursor e o mapa virtual expôs dois pontos com etiquetas em destaque. O primeiro vinha do continente e o outro estava sobre o fundo azulado que simbolizava o mar.
− Que gozado! O ponto de ida e volta se desloca de Hong Kong, na China, e de outro arquipélago do Brasil − deu zoom na imagem. − De uma Ilha chamada Trindade, no litoral do Espírito Santo. São rotas bem esquisitas! – exclamou, seu cenho franzido. – Fernando de Noronha tem rotas mais recentes, mas a atividade de voo na ilha da Trindade é mais frequente. Observe, há duas rotas vermelhas traçadas até lá. A primeira vem da China e a segunda do Rio de Janeiro; as rotas verdes desenham destinos até Fernando de Noronha e outra de São Paulo. Em todo caso, não faço ideia do porquê estão usando essas rotas há mais de um ano. Talvez por mais tempo, afinal o Geodésica é um programa novo.
− Esta é a ilha mais distante do Brasil − Alex comentou. – Um avião só poderia descer nela se houvesse uma pista de pouso.
– Que eu saiba, não existe nenhuma por lá. É uma ilha deserta, mas posso confirmar se construíram alguma pista – disse, tentando aproximar com o cursor. − Tem algo errado aqui. O satélite não fornece fotos atuais dos limites internos da ilha. Onde esses aviões pousam? – olhou para Alex, admirado.
No monitor, o professor encontrou imagens de penhascos e paredões rochosos, diferente da geografia de Noronha. Não havia praias, mas uma paisagem acidentada e ameaçadora. Numa das margens da ilha, enxergou dois prédios simples.
– Seria uma região inóspita, se não fosse o POIT.
– O que é POIT? – Alex se interessou.
– Um ponto de vigilância da Marinha Brasileira.
− É verdade, já ouvi falar − Alex coçou a cabeça – Escute, é possível manipular imagens por satélite?
− Talvez, se pagarem milhões aos que detêm a tecnologia. Mas, neste caso, pode ser uma falha nos servidores que armazenam as imagens. Mesmo assim, é uma descoberta muito intrigante – virou-se para encarar Alex. – Não sei o que pretende, mas você é bem curioso. Quer descobrir o que tem lá? − o rapaz foi sério ao fazer a pergunta.
− Conhece alguém que pode me levar até a ilha?
− Vai precisar de grana.
− Não se preocupe com isso.
− Tem medo de altura? – William perguntou com um sorriso no canto da boca.
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UNICELULAR
Science FictionDisponível nas grandes livrarias! ROSA ViLLAR, agente da ABIN, é chamada às pressas para investigar o envenenamento do filho de uma influente jornalista americana que estava de férias, numa das belas praia do Brasil. O que Rosa não imaginava é que...