Hospital Adventista, Rio Grande do Norte
Q
10 de fevereiro07h23min
Rosa empurrou a porta de vidro. O ambiente era moderno e limpo. Por conta do cansaço, precisou relembrar as últimas palavra de Roriz, quando ainda estava no hotel. Ele a avisou pelo celular:
− Arrume suas coisas. Descobrimos uma possível vítima com diagnóstico bastante estranho internada em um hospital do Rio Grande do Norte.
− Outra?
− Sim. É uma moça, Catarina Bitencourt. Um helicóptero está esperando por você na capital. Pegue a estrada e dirija até lá. Não é muito longe.
− E o menino? − ela perguntou, preocupada.
− Vai ser transferido para os Estados Unidos. O jato do Consulado Americano foi acionado. Vamos tentar descobrir para qual hospital.
− É longe demais!
− Quando ele entrar naquela aeronave deixará de ser nossa responsabilidade. O embaixador infelizmente não ouviu a sugestão de seguir com o tratamento clínico no Sírio-Libanês − ele disse. − Tome cuidado.
− O que quer dizer?
− A viagem será rápida − Roriz ignorou a pergunta dela. − Observe tudo − e desligou.
Chegou à recepção do hospital e, sem cerimônias, mostrou o distintivo da Polícia Federal para a mulher morena do outro lado do balcão. A recepcionista saltou para trás. Rosa anunciou:
− Quero saber informações sobre uma paciente − manteve a cordialidade. − É para saber o estado de saúde dela. O nome é Catarina Bitencourt.
− Desculpe, senhora – a recepcionista rebateu depressa, o computador diante dela –, mas não vai encontrá-la aqui. Ela foi transferida.
− Para onde?
− Para outro hospital da rede Adventista. Ela foi atendida no setor de emergência, depois retirada de lá. Aqui trabalhamos apenas com oncologia, mas nosso prontuário on-line diz que ela sofreu um edema na glote, problemas respiratórios e quatro eczemas avermelhados no pescoço, busto e braços.
Uma enfermeira se aproximou, o semblante austero.
− Ela está procurando quem? − disse a mulher gorda à recepcionista, ignorando a presença de Rosa.
− É da Polícia Federal. Quer informações.
− Sobre? − a enfermeira perguntou.
− Catarina Bitencourt − Rosa pronunciou autoritária. − Podem me ajudar ou não?
A enfermeira se virou para ela.
− Sabe que não podemos lhe mostrar nenhum prontuário se não tiver um mandado expedido por um juiz.
Rosa tentou ser paciente. Na ABIN, a via de regra era que se extraísse uma informação a todo custo e às vezes o agente precisava ser polido, mesmo contra sua vontade.
− Não quero ter acesso ao prontuário dela. Quero saber o estado de saúde da moça.
− Por que quer saber?
− É sigiloso − Rosa meneou levemente a cabeça em direção à recepcionista.
A enfermeira entendeu que Rosa queria lhe falar a sós. As duas caminharam até um corredor, onde a enfermeira informou:
− Disseram que ela teve uma convulsão no Arquipélago de Fernando de Noronha. Estava acompanhada de mestrandos de biologia da Universidade Federal.
− Quando chegou aqui corria algum risco? − Rosa perguntou.
− Parecia estável, mas o quadro dela quando saiu do hospital era razoavelmente grave. Ela vomitou muito. Precisou de cuidados médicos na emergência. Fizeram uma traqueostomia e foi atendida no Hospital de Noronha até ser trazida para cá.
– Entendi – Rosa afirmou.
– Sabe, é curiosa sua visita. Não é a primeira pessoa desconhecida que pergunta sobre a moça. Mas, como é da polícia, é bom alertá-la: hoje mais cedo, dois homens orientais insistiram em saber acerca da entrada de uma vítima sem nome ou sexo. Descreveram apenas os sintomas. A moça era a única na nossa lista que apresentava as características.
Rosa franziu o cenho, surpresa com a notícia.
− Homens orientais?
A enfermeira afirmou com a cabeça e voltou a dizer:
− Não se identificaram. Negamos a entrada deles, é claro, mas se aborreceram. Aí os dois começaram a discutir numa língua oriental. Não tenho certeza. Um deles falava razoavelmente português e tentou se comunicar em inglês. Depois insistiram em vê-la. Ameaçamos chamar a polícia, mas bastou que o segurança do hospital se aproximasse para irem embora.
Eram da Biotech, o instinto de Rosa acusou. Começou a se questionar. Precisavam apagar provas? Como localizaram a vítima tāo rápido? Assustou-se com a possibilidade de terem feito algo contra a vida da moça. Se chegaram a este ponto, certamente muita coisa fugiu do controle.
− E como se vestiam? – Rosa sempre traçava um padrão da personalidade e do status de um indivíduo quando visualizava suas vestimentas.
− Roupas comuns. Um deles usava óculos.
− Notou alguma outra característica? Talvez física?
A enfermeira negou com a cabeça, depois voltou atrás:
− Acho que sim – ela desviou os olhos para o lado superior direito, um sinal inconsciente de esforço de memória. – Havia um deles com características orientais mais sutis e trocava as palavras, vez ou outra.
− Como assim?
− Acho que tinha dificuldade com a nossa língua, não sei. Perguntou se havia "algum sapiente com sintonho estrama?". Não entendi, até que o outro o corrigiu. Quis dizer se havia algum paciente com sintoma estranho. Achei gozado. Depois disse: "Por vafor, nos conceda a lirebação da tívima" – a enfermeira riu.
Spoonerismo, Rosa conjecturou, um tipo raro de confusão linguística na fala. Consistia na troca de sílabas de duas ou mais palavras, como "bola de gude" por "gula de bode". Acreditava-se que existia uma propensão genética no indivíduo. Foi batizado assim em memória ao reverendo William Archibald Spooner, que frequentemente trocava as sílabas em seus sermões, quando nervoso. Isso indicava que o oriental estava apreensivo. Talvez precisasse executar uma tarefa de risco.
− Foi só isso? – Rosa perguntou.
− Creio que sim.
O celular de Rosa tocou. Era Roriz, outra vez, na linha. Rosa se afastou da enfermeira.
− O que descobriu? − o chefe perguntou.
− Que há mais gente investigando. E receio que sejam da Biotech. Não sei como chegaram até aqui.
− Isto não é difícil − ele ponderou. − A Biotech trabalha com sistema de monitoramento remoto do tipo mais avançado para controlar a pesquisa que realizam.
− E como chegou a esta conclusão? − Rosa o questionou. – Não li sobre isso no protocolo 77.
− Temos conversas mais atuais de e-mails e telefones que não anexamos ao protocolo.
Ele fez uma pausa.
− Acha que devo me certificar de que a moça está bem? – ela perguntou.
− Ainda não falou com ela? − a voz de Roriz mudou de tom.
− Não está no hospital que sua equipe de TI informou. Foi transferida.
− Consiga depressa o endereço do hospital para onde a levaram. Se a Biotech está à procura dela, então corre risco! Você já deveria estar lá! − Roriz sentenciou e desligou o telefone.
Às pressas, Rosa chamou outra vez a enfermeira.
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UNICELULAR
Science FictionDisponível nas grandes livrarias! ROSA ViLLAR, agente da ABIN, é chamada às pressas para investigar o envenenamento do filho de uma influente jornalista americana que estava de férias, numa das belas praia do Brasil. O que Rosa não imaginava é que...