Aeroporto de Guarulhos, São Paulo
10 de fevereiro
12h27min
Randall bocejou e ajustou o fuso horário do relógio para seis horas a menos que Paris. A aeromoça abriu a porta do jato, deixando o ar úmido de fora entrar na aeronave. Haviam chegado à terra da Garoa. Chang dialogava com Alícia Bouvier, uma francesa bonita de pernas torneadas, rosto afilado e olhos castanhos. Randall evitou encará-la, mas ela piscou para ele enquanto conversava, insinuando olhares sedutores. O pró-reitor da Universidade de Oxford, James Well, um britânico elegante e idoso, dormia em sono profundo numa das poltronas, alheio à altura das vozes.
A aeromoça serviu o almoço: filé de algum peixe desconhecido acompanhado por uma salada com croutons. Um pouco desconfiado, Randall espetou o garfo e pôs um naco do filé na boca. Era suculento, amanteigado e levemente ácido por causa do limão; o peixe tinha gosto incomum para ele. Chang se virou:
– É pirarucu – mostrou os dentes ao sorrir. – Um peixe brasileiro, típico dos rios da Amazônia. Gostou?
– É ótimo. Está bem temperado.
Ele escutou passos vindo da escada de alumínio na porta do jato. Uma mulher de cabelos curtos surgiu em companhia de outra mais jovem; a primeira usava luvas, a segunda tinha um aspecto cansado, os óculos no rosto, o nariz adunco. Chang se levantou para cumprimentá-las, deu uma risada e disse em inglês:
– Bem-vindas! – meneou o corpo para abraçar a mulher de cabelos curtos, depois apertou a mão da outra. – Meus caros convidados, temos a bordo a Dra. Ellen Wankler, minha esposa, e a Dra. Odillez, da Universidade de São Paulo. Podemos nos apresentar formalmente assim que chegarmos na ilha – disse, eufórico. – Fiquem à vontade. Ponham os cintos.
Odillez se sentou ao lado de Randall e sorriu brevemente para ele. Teve a impressão de que a mulher estava cansada e logo depois ela deu um longo bocejo, cobrindo a boca com as mãos. Ela ficou atenta ao diálogo entre Chang e Wankler nas poltronas da frente. Randall também prestou atenção:
– Onde está Manuel e Lung? – o chinês perguntou.
– Lung vai se juntar à Vívian e ficar no continente para resolver aqueles problemas – percebeu que ela sussurrou para o marido. – Manuel está vindo. Espere um pouco.
Cinco minutos mais tarde um homem jovem, alto e magro, o rosto com suaves traços orientais cruzou a entrada e acenou para os outros, sentando-se ao lado de Wankler.
Randall deixou de lado a conversa entre eles e tentou iniciar um diálogo com a Dra. Odillez. Ela não era uma mulher bonita, mas parecia muitíssimo inteligente.
– Fala inglês? – Randall perguntou com sotaque britânico.
– É claro.
– Qual é mesmo sua área de atuação? – quis saber, enquanto a aeromoça fechou a porta do avião e a voz do piloto avisou pelo interfone o destino do voo. O jato percorreu devagar a pista.
– Microbiologia – ela disse sem encará-lo. – Sou professora da USP. Não sei o motivo do convite, nem por que tanta empolgação – indicou com a cabeça o chinês e a mulher corpulenta nas outras poltronas. – Eles estão felizes.
Odillez bocejou outra vez.
– Se quiser dormir, não lhe perturbo – Randall disse.
– Não se preocupe, estou bem.
– O que será que pretendem com uma museóloga, uma microbiologista e um engenheiro de parques temáticos? – ele deu outro sorriso para ela.
– Boa pergunta – Odillez se virou para olhá-lo. – Não sei o que escondem nessa ilha, mas me deixou curiosa.
– Meu sono é maior que minha curiosidade – Randall comentou. – Minha cara está péssima com este fuso horário.
– Mesmo assim você é um belo homem – soltou, fitando seus olhos.
Randall retribuiu o olhar, desconcertado com a afirmação dela.
– Obrigado – sorriu, constrangido.
O avião deu uma guinada.
– Dr. Alvarenga pediu para embarcar, senhor Chang – o piloto comunicou no interfone.
– Alvarenga? – Chang repetiu da cadeira.
– O idiota se atrasou – Wankler disse, irritada.
– Tenha calma – Chang falou. – Ele estava no complexo de Noronha.
– Eu também estava e não me atrasei – disse. – Ainda me admiro quando o defende.
– Evite discussões com ele na frente dos nossos convidados, por favor – Chang pediu.
– Permissão de voo ou deixo ele entrar a bordo, senhor Chang? – o piloto perguntou.
Chang levou meio minuto para responder.
– Deixe entrar.
– Por mim pode atropelá-lo – Wankler sentenciou, aborrecida.
Alícia Bouvier conteve uma risada. A aeromoça abriu a porta do jato. Um homem atarracado e musculoso de pele morena, a camisa empapada de suor, deu um "bom dia" sem graça. Wankler o ignorou, mas Chang apertou sua mão.
– Desculpe, Sr. Chang – Alvarenga pediu –, os materiais de laboratório estavam na alfândega, ficaram lá por quatro dias.
– Sem problemas, Diego.
– A culpa é sua – Wankler atacou. – A inutilidade é a sua marca..
– Não me faça dizer o que não quer ouvir sobre o seu trabalho, doutora – enfatizou a última palavra com ironia.
– Está se referindo a quê, seu filho da..
– Ellen, por favor! – Chang interrompeu em voz alta, antes que ela terminasse de dizer um palavrão. – Coisas de empresa. É normal que haja discussões, mas não é o momento adequado. Aproveitem a viagem para tirar um cochilo ou assistir um filme nos monitores diante de vocês. Temos canais excelentes!
Diego Alvarenga se acomodou numa das poltronas dos fundos.
O jato tomou impulso, correu na pista e alçou voo. Randall percebeu que Odillez tinha os olhos cerrados. Pensou na proposta de Chang e no projeto misterioso que havia naquela ilha. Não acreditava que fosse algo inusitado demais. Observou o céu e, à medida que o avião rasgava as nuvens, sua vontade de dormir chegou.
(*houve um problema com este capítulo, postei o capítulo a seguir ao em vez deste, talvez por confusão minha dentro do aplicativo do celular, mil perdões)

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UNICELULAR
Science FictionDisponível nas grandes livrarias! ROSA ViLLAR, agente da ABIN, é chamada às pressas para investigar o envenenamento do filho de uma influente jornalista americana que estava de férias, numa das belas praia do Brasil. O que Rosa não imaginava é que...