Capítulo 20

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Se eu disser que dormi bem, estaria mentindo. Não dormi, sequer preguei os olhos. Estava extasiada, naufragada por tudo que Marília disse. Meu corpo inteiro formigava em resposta, e por não saber como lidar, resolvi beber para amenizar a insana vontade de ir até a sua casa e tirá-la de lá, levá-la à um lugar só nosso, que se moldasse para o nosso desejo, e me desfazer à sua mercê.

Estou olhando para o espelho, meus olhos demonstram a exaustão do meu corpo. Tento fazer um coque solto em meu cabelo, mas fica uma merda, porém dou de ombros. Utilizo um pouco de corretivo nas minhas orelhas visivelmente expostas. Não estou pronta para mais um dia, por sorte hoje é domingo e consigo descansar sem ninguém me cobrando planilhas ou entregas de atividades.

Me sento sobre a cama, com uma taça de vinho entre os dedos. São aproximadamente 10h da manhã, mas isso não me assusta. Não há hora para beber.

— Não te vi chegando ontem. - a voz de Maraisa ecoa pelo quarto, e encontro seu corpo que está parado, completamente encostado na soleira da porta. — Bebendo uma hora dessa, Maiara?

Não dou bola para a ênfase da sua pergunta. Levo a taça até os lábios, degustando do meu vinho que desce pela minha garganta como um nó travado.

— Cheguei tarde. Estou exausta. Até que enfim a semana acabou. Acho que preciso de uns dias de folga. - Passo a língua entre os lábios, aproveitando para respirar fundo em seguida.

— Como foi a aula com a Marília? - Maraisa pergunta, sentando-se à minha frente. Seus joelhos tocam os meus.

— Normal, como de praxe. - Não consigo olhá-la, pois se eu olhar em seus olhos Maraisa será capaz de desvendar-me.

— Você mente mal. Muito mal. - Ela ri, de prontidão. Rouba a minha taça e beberica. — Às vezes sinto vontade de conhecê-la. Ela faz um estrago na sua vida, queria ver quem é essa dominatrix.

"Dominatrix", a referência do nome embrulha o meu estômago. Sinto uma onda de arrepios surgir a partir da minha nuca, tomando controle de todo o meu corpo.

Procuro respirar. Lembrar de Marília a minha mercê, com o seu corpo grudado ao meu, assumindo os devaneios que lhe causo, é torturante. O mais engraçado dessa história toda é que não passávamos de professora e aluna. É clichê, mas nunca passou pela minha cabeça a ideia de ficar com alguma professora. Nunca cogitei ficar com mulheres, especialmente mais velhas. Sempre gostei de homens, mais novos do que eu, que transparecem sua vulnerabilidade e irracionalidade.

Mas ao vê-la, completamente posturada, perdi o fôlego ao perceber o domínio que possuía sobre meu corpo. Inúmeras vezes me toquei, ansiando senti-la dentro de mim. E me torturei por isso, até entender que o fascínio era recíproco. E que ela também ansiava pelo meu toque.

— Você precisa tirar da cabeça que eu sinto atração pela Marília. Irmã, eu gosto de homens. Eu gosto disso aqui! - faço o gesto do órgão masculino, e me condeno por omitir minha bissexualidade.

— Isso aí quem adora sou eu! Eu sei que você curte a ideia de sentir uma mulher.

— Às vezes sim, quem nunca? Você nunca imaginou não? - Franzo as sobrancelhas e encaro Maraisa, ainda segurando a taça quase vazia.

— Já sim, mas na hora não curti muito. Sou hétero mesmo. - Reafirma, maneando a cabeça. — Será que sou mesmo ou só estou fingindo? E se eu tentasse de novo? Ah, eu namoro… Mas e se?

Começo a rir das suas inconstantes dívidas e das próprias respostas. Marisa sempre foi muito independente. Agora, ouvindo seus questionamentos, recordo-me de quando éramos menores. Certo dia, Maraisa e eu estávamos brincando, não me lembro do quê, mas me lembro das reações dos meus pais ao ouvi-la perguntar:

Na ponta do Salto - MAILILAOnde histórias criam vida. Descubra agora