Não dormi nada bem essa noite, acordei algumas vezes e verifiquei constantemente se havia mensagens dela. E não, não havia. Imaginei diversas coisas, mas nada que justificasse a sua ausência inesperada. Levantei, bebi vários copos de água e até mesmo fiz chá para me acalmar. Não sei o que estava acontecendo, mas eu buscava entender.
Agora, estou mais uma vez no escritório, enquanto escuto o meu pai eufórico com o crescimento pontual da empresa. Ele está radiante, e isso é o que me deixa um pouco feliz. Papai anda de um lado para o outro, me contando todos os detalhes de tudo que aconteceu interiormente no setor administrativo, e eu não falo nada, apenas o escuto com atenção e sorrio diante de todas as suas falas.
— Filha, saímos no noticiário, os números subiram… Há inúmeros investidores, compradores… Tudo está indo conforme o planejado! - diz César, saltitante e empolgado. — Obrigada por ser a melhor filha do mundo! - Ele beija o meu rosto, quase esmagando-o.
E eu sorrio, mais uma vez. Todo o seu carinho é recíproco. O amo na mesma medida - ou mais - que ele.
— Foi um prazer fazer parte da reinauguração, papai. Eu amo a sua felicidade, ela é a minha também! - Meus olhos expressam a ingenuidade em minhas palavras.
— Amo você, filhota. - Ele está quase saindo, quando acaba retornando e me olhando um pouco confuso. — A Marília viajou, não foi? Achei tão esquisito ela ir viajar assim, de última hora… Você sabe o por quê, filha?
Reprimo meus dedos, fechando o pulso, enquanto sinto meu coração saltitante dentro de mim. Solto uma mínima lufada de ar e encontro seus olhos. Se ele soubesse de nós, entenderia o porquê dos meus olhos cabisbaixos.
— Ela só me avisou que iria viajar, nada além. É estranho mesmo, pai.
— Espero que ela retorne logo.
Faço que "sim" com a cabeça concordando com a sua fala e desvio meu olhar. O mais engraçado dessa situação toda é que, visivelmente, eu sofro mais do que ela. Obviamente porque sou uma menina solteira e desimpedida, por outro lado ela não.
Enfim. Tento focar em algumas atividades que preciso concluir antes da meia-noite. Estou prestes a concluir a faculdade, então também preciso focar em meu TCC. Não sei se irei atuar na área, mas sei que irei me formar e trazer o diploma que o meu pai tanto planejou e sonhou.
Estava distraída, enquanto teclava cada letra, até sentir meu celular notificando algumas mensagens. Provavelmente seria de algum cliente ou amigo, então resolvi não verificar, apenas continuei escrevendo.
O mais engraçado de se estar em uma faculdade, é que você sempre terá que estar disponível para, não o contrário. As suas notas, o seu desempenho, todo o seu percurso, quem fará será você. E somente você, não algum amigo ou até mesmo o professor. E de verdade, não há nada mais sofrido do que o percurso. Alguns semestres são cansativos, algumas matérias são indecifráveis e difíceis de compreender. Tudo é muito, ou pouco. Nada é meio termo, pelo menos não na faculdade.
Lá, você terá que aprender. Lá, eles te ensinam a teoria. A prática é você por você. Nunca o que você aprende, você exerce na ponta do lápis. Nunca.
Eu já fiz inúmeros estágios obrigatórios, estágios remunerados. Tudo. E é extremamente cansativo, não a rotina, mas o descaso. O descaso, a escassez, a desvalorização. Tudo, em um todo.
E infelizmente vivemos em um mundo onde algumas profissões não são valorizadas. Eu fui criteriosa em escolher Direito, afinal, há diversas opções dentro da área, principalmente Direito Empresarial, o que me traz o luxo de atuar na empresa do meu pai. Mas e quem não obtém? Porque a minha realidade é diferente. Eu possuo, eu tenho e eu posso, e esse critério é todo do meu pai. Já imaginou se eu escolho licenciar? Céus, sofreria horrores!
Me assusto ao ouvir o barulho constante e repetitivo do meu celular tocando. Passei o dia inteiro no escritório, e apesar da dor de cabeça por ter ficado horas em frente ao computador, posso então ficar um pouco mais tranquila referente às atividades desse último semestre. Estou quase pronta quando decido atender a ligação. Número desconhecido.
Fico em silêncio, enquanto escuto burburinhos do outro lado. Engulo em seco ao reconhecer sua respiração. É estranho, não? Sentir e saber até o jeito que a pessoa respira.
“Maiara?”, sua voz saiu arrastada. Visivelmente ela está bêbada.
Nada falo. Fiquei dias esperando por alguma notícia dela. Enquanto permanecemos em silêncio, terminei de ajustar o meu short. Não me julguem, mas estou péssima o suficiente para ficar em casa sofrendo por uma mulher que não dá a mínima para o que eu sinto.
“Carla…”, a citação do meu segundo nome sempre me faz estremecer por dentro. É como se ela soubesse como agir para cativar a minha atenção.
Só então, após alguns segundos, que decidi falar. Mas a minha voz saiu tão arrastada e inaudível que ela não escutou e continuou a falar.
“Estou com saudade do seu cheiro. De você. Queria poder te ver hoje…”, Marília comenta em um só suspiro.
Ergo a cabeça e encaro o teto. Não consigo, não entra na minha cabeça. É injustificável. Ela não falou comigo durante todos esses dias. Nos primeiros dias até entendia, provavelmente estava curtindo a sua família. Porém ninguém é ocupado 24h.
“Tenho que ir, Marília.”, não permito que ela se despeça, apenas desligo o celular e deixo-o silencioso.
O Henrique me mandou uma mensagem hoje pela tarde, e eu decidi sair com ele. Sem malícias, apenas para conversarmos.
Estamos no caminho, ele veio me buscar. Decidimos ir à uma chopperia, seria bom bebermos e ouvirmos música ao vivo.
Henrique está dirigindo concentrado, enquanto os meus olhos observam os prédios passando pelos meus olhos. Eu sei que, provavelmente, dependendo do nível de bebida, ficarei à mercê da vulnerabilidade, porém não me condenem pelos meus atos.
Ninguém em sã consciência permaneceria sóbria, não nessa situação.
Pedimos alguns chopps. Pensei que fosse ficar um clima estranho entre nós, afinal, terminamos somente há alguns meses, mas ele continua sendo gentil e um bom homem. Seus olhos estão focados nos meus, ele me olha em silêncio. E eu tento não olhar, mas se torna uma batalha difícil, já que o seu perfume está exalando em todos os pontos deste local.
Coloco meu cabelo para o lado, deixando meu ombro exposto. À medida que a bebida entra, fico ainda mais inconsciente. Queria poder dizer a ele que estou apaixonada por uma mulher, e comentar todas as suas características interessantes, mas não é isso que eu faço. Eu o beijo. O beijo, imaginando os lábios de quem tanto quero. O beijo com vontade, sentindo até o gosto da sua língua conhecida.
Sua boca está perfeitamente encaixada na minha. Ele está matando a saudade, e eu a carência de ser amada. A mulher que eu amo está longe, só me resta as migalhas do meu ex-amor.
E se é isso que querem saber, sim. Fracamente me entreguei. Me entreguei à ele, por uma noite. Por uma noite quis-me ser vista. Às vezes o erro do errado é achar que se perder é a única alternativa.
~*~
Alguns capítulos serão curtinhos, afinal, o foco são as duas. E alguns acontecimentos eu prefiro não detalhar para não deixar vocês zangada com alguma das duas. Mas aguardem, aguardem que já já vem capítulo cheio de acontecimentos.
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Na ponta do Salto - MAILILA
FanficMaiara, uma jovem mimada de 24 anos, vê sua vida mudar drasticamente quando seu pai, o poderoso dono da Stilus, contrata a autoritária e arrogante Marília como sua nova professora de dança. Inicialmente, Maiara rejeita a ideia de ter Marília por per...