CAPÍTULO 3

803 99 1
                                    



O dia foi um desastre. Depois da fuga de Graham meu cérebro perdeu todo o sentido. Estava sempre buscando a posição de meu irmão e quando não o encontrava de imediato, meu coração disparava e quase explodia em meu peito.

No fundo eu tinha plena noção de que tudo isso era um total exagero, mas essa era uma daquelas reações emocionais que não se tem controle e só é possível lidar com elas.

Já fazia dois anos que vivíamos essa vida nômade e, sinceramente, eu não via um fim próximo para ela. O mais afetado, com certeza, era Graham, que não fazia amizades ou tinha uma casa fixa. Em todos os lugares para a qual nos mudamos, meu irmão foi muito bem tratado e adorado por todos. Fazer amizades, para ele -assim como para a maioria das crianças- era fácil. O difícil era a despedida e ter que explicar o porquê de nos mudarmos.

Nos mudamos para sobreviver, para escapar do passado, para ter um futuro, essa era a verdade, entretanto, para Graham, eu dizia que estávamos procurando uma casa nossa, um lugar onde nós dois gostemos e sejamos felizes.

Prometia as coisas mais absurdas, que com toda a certeza não poderia lhe dar, só para passar a noite em prantos depois.

Quando perdemos nossos pais Graham tinha pouco mais que meses. Não se lembra de nada além do que conto. Não sabe com exatidão o que houve e por isso fica mais difícil entender a nossa situação.

Com dois anos seu discernimento ainda é falho e suas emoções a todo vapor, mas estamos conseguindo, lidamos com isso e à medida que cresce se torna um garoto cada vez mais esperto. Talvez não demore muito para descobrir que toda essa mudança não é normal e a questione.

Velaris é só mais um ponto de passagem. Meu plano é ficar aqui até o final da estação, afinal as coisas ficam complicadas no outro continente quando o inverno chega. Aqui em Prythian ainda é primavera o que facilita as coisas para uma mudança e assim posso esperar um pouco mais.

O que me preocupa agora é a questão do emprego. Já gastei o bastante com a estalagem, pelo menos a comida é garantida no valor e foi um ótimo lugar para ficar, perto o suficiente do cais caso precisemos sumir.

Graham havia adormecido depois de chorar o caminho todo de volta, o que era péssimo já que certamente acordaria antes do anoitecer e passaria a noite acordado e então teria de carregá-lo adormecido pelas ruas da cidade.

Deixá-lo aqui sozinho não era uma opção. Não mesmo. Então ele iria, nem que eu tivesse que carregá-lo o caminho todo.


-Olá, Lyra. Soube que saiu cedo em busca de emprego, como foi? -a Senhora da pousada estava saindo de um dos quartos no corredor.


Como ela sabia disso?


-Ainda não consegui nada, mas tentarei de novo amanhã...

-Ah sim! Não, na verdade. Não, não!

-O que? Por que não?

-Ah eu quis dizer, não vá amanhã. Procure hoje ao anoitecer mais perto do Sidra.

-Ãh...e por que? Hoje a noite e não amanhã, quero dizer.

- Estamos na Corte Noturna. Vai achar qualquer coisa a noite- dito isso a feérica, com um bolo de lençóis sobre o braço partiu para o andar de baixo.

De repente a fala de Sevenda ontem veio a mente, mas me questionava se por "figura" ela não quisesse dizer "piradinha", com certeza eu diria isso.

Ao anoitecer Graham e eu estávamos, mais uma vez, nas ruas de Velaris. Se estava movimentada de manhã agora estava pior. Descobri que a cidade possui quatro praças denominadas "Palácios". Não entendia muito a disposição desses palácios ou qual era qual, mas continuei caminhando por aí como se soubesse exatamente onde estava.

Graham estava desperto e com total energia para gastar. Para cada lugar que passávamos ele tinha um comentário e pergunta. As vezes cumprimentava pessoas aleatórias e até agora todas tem sido adoráveis com ele o que só aumenta a sua confiança para socializar com qualquer um.

As vezes isso me preocupa, não se sabe quem está entre todas essas pessoas gentis. A segurança pode ser boa, mas não infalível.


-Olha, a montanha brilha! -gritou meu irmãozinho tirando risadas das pessoas ao redor.


De fato, até eu fiquei impressionada. Havia entre os picos da montanha, pontos de luz tal qual janelas. Era algo inovador pelo menos para mim – e Graham -, mas os outros não pareciam se importar, como se fosse normal -talvez aqui fosse.


-Lyra! -em algum lugar a voz de Sevenda me chamava.


Esse lugar era uma loja do outro lado da rua. Ao me aproximar notei que se tratava de um pequeno restaurante.

A feérica estava com uma roupa simples e um avental, em seu ombro direito apoiava um pano de prato.


-Olá. Queria mesmo falar com você.

-Mesmo? Sobre o que?

-Sobre o emprego.

-Ah! Sabe de algum lugar que eu possa ir?

-Sei.

-Onde?

-Aqui.

-Aqui? Nesse restaurante?

-É. Quero que faça um teste, amanhã à noite.

-Teste? Espera, não preciso falar com o dono antes?

Rindo levemente Sevenda apoiou as mãos na cintura e inclinou a cabeça.

-O restaurante é meu, Lyra.

-Ah! – é claro, que idiota! – Isso é ótimo!

-E então, pode vir amanhã a noite?

-Sim, sim é claro. Muito obrigada, Sevenda! Obrigada.

-Não por isso. Amanhã, ao anoitecer, não esqueça.

-Tudo bem, não vou. Muito obrigada! 

Corte de Estrelas e SegredosOnde histórias criam vida. Descubra agora